O Perigo das Beatas – Impacto nos Ecossistemas Marinhos

É muito comum encontrar beatas de cigarro no chão e na praia, mas, na verdade, o que são estes resíduos e que riscos acarretam para os ecossistemas?

Segundo o Programa de Monitorização de Portugal Continental promovido pela Agência Portuguesa do Ambiente, em 2022, as beatas e os filtros de cigarro ocuparam o terceiro lugar do top 10 do lixo marinho, correspondendo a 13,1% de todo o lixo apanhado. Estima-se que por minuto sejam atiradas 7000 beatas ao chão.

As beatas de cigarro são a parte que resta após os cigarros serem fumados. São constituídas por restos de tabaco e um filtro, envolvidos em papel. Os restos de tabaco contêm cerca de 4000 substâncias químicas, das quais mais de 50 são comprovadamente cancerígenas.

Os filtros incluem uma parte central de acetato de celulose (uma fibra sintética que parece algodão, mas é constituída essencialmente por plástico), envolvida em 2 camadas de papel ou outras fibras sintéticas. Enquanto o cigarro é fumado, os filtros acumulam parte dos poluentes presentes no fumo. Quando as beatas se degradam, os filtros libertam estes poluentes, como, por exemplo, a nicotina e metais pesados como o ferro e o cobre.

O papel do cigarro é principalmente composto por fibras (muitas vezes naturais), contudo são acrescentadas substâncias para controlar a velocidade de queima, a cor do fumo entre outros aspetos.

Uma beata de cigarro pode contaminar até 6 litros de água. Devido à presença de plástico na sua constituição, as beatas levam 1 a 10 anos a degradar-se completamente.

Para além dos seus constituintes diretos, são utilizadas muitas substâncias químicas durante a produção, não só dos cigarros mas também do tabaco em si. Assim, nas beatas descartadas são também encontrados resíduos destas substâncias. Por exemplo, pesticidas, herbicidas e inseticidas.

Os plásticos contidos nas beatas são muitas vezes fragmentados e transformados em microplásticos (partículas de muito pequena dimensão). Estes, juntamente com alguns metais pesados libertados pelo filtro à medida que se degrada (por exemplo: Cd, Fe, As, Ni, Cu, Zn e Mn), entram nas cadeias alimentares e vão contaminando todos os consumidores por bioacomulação e biomagnificação. Ou seja: estas substâncias nocivas, uma vez presentes nos tecidos dos seres vivos, contaminam os seus predadores, entrando na cadeia alimentar. Ao longo da cadeia alimentar, verifica-se um aumento da concentração destas substâncias, sendo os predadores de topo aqueles que apresentam maior contaminação.

Segundo Rita Vaz, bióloga marinha e técnica da Cascais Ambiente (na Câmara Municipal de Cascais), “Já foram feitos vários estudos que evidenciam a presença de beatas em todos os níveis tróficos, desde a base da cadeia alimentar até aos predadores de topo, neste caso os predadores de topo somos nós.”

Rita Vaz esteve embarcada num navio de pesca de atum, nos Açores, enquanto bióloga, e viu pescadores que, após fumarem, deitavam as beatas ao mar. Como aquele navio utilizava uma técnica de pesca chamada “pesca em mancha”, que consiste na procura e manutenção de um cardume perto de uma embarcação durante períodos superiores a 24 horas através da alimentação dos peixes com isco vivo, quando os pescadores atiravam beatas ao mar, muitas vezes os atuns confundiam-nas com alimento ingerindo-as.

A degradação das beatas liberta também dióxido de carbono (CO2), que se dissolve na água do mar. Como tem propriedades ácidas, baixa o pH da água e aumenta a sua acidez. O aumento da acidez dos oceanos pode, a longo prazo, contribuir para a extinção dos organismos que contêm nos seus revestimentos carbonato de cálcio, uma vez que este se dissolve em contacto com os ácidos.

Um estudo mostrou que a poluição causada pelas beatas faz diminuir a bioluminescência, produzida pelas bactérias Aliivibrio fischeri como forma de proteção contra predadores. Isto causa uma maior predação destas bactérias, desequilibrando as cadeias alimentares.

Muitos fumadores desconhecem o impacto das beatas nos ecossistemas e deitam-nas simplesmente ao chão. Contudo, devido à sua leveza, as beatas são facilmente transportadas pelo vento e pela chuva, chegando muitas vezes ao mar. Uma forma comum de isso acontecer é através das sarjetas, cujo conteúdo é descarregado diretamente no mar, sem tratamento prévio. Além da contaminação dos ecossistemas marinhos, as beatas contaminam os ecossistemas terrestres, chegando muitas vezes a originar incêndios.


Imagem 2: Beatas de cigarro perto e dentro de sarjetas (São João do Estoril)

Apesar de as beatas não serem recicláveis, existem várias iniciativas para dar uma segunda vida a estes resíduos. Por exemplo: no Brasil, há organizações não governamentais que fazem a recolha seletiva de beatas e as transformam em papel. No Canadá, a organização Cigarette Waste Brigade recolhe beatas para separar e reciclar cada componente. Em Portugal, Diogo Pinheiro, engenheiro eletrotécnico, inventou um processo para incorporar beatas de cigarro em tijolos; os “e-tijolos” são constituídos em 5% por beatas, de modo a garantir a sua resistência, só podendo ser utilizados em paredes não estruturantes ou como decoração.

Contudo, a melhor forma de reduzir os impactos das beatas é antes de mais reduzir o consumo de cigarros e descartar estes resíduos de forma responsável, ou seja, depositando-os no lixo comum. Por outro lado, é importante alertar a população para todos os riscos que as beatas representam para os ecossistemas.

“Tudo depende de nós, tudo depende do ser humano” , como concluiu a bióloga Rita Vaz.

Referências:

Jovem Cascais. s.d. “Beatas recolhidas nas praias da linha”
https://jovem.cascais.pt/index.php/pt-pt/node/733 (consultado em 06/2024)

Moura, Isabel. 2022. Programa de Monitorização do Lixo Marinho em praias: abundância total, composição e origens do lixo marinho em 14 praias de Portugal. Amadora, APA
https://apambiente.pt/sites/default/files/_Residuos/Lixo_marinho/2023/Resultados%20do%20Programa%20Monitoriza%C3%A7%C3%A3o%20Lixo%20Marinho%20em%20praias%202022%2C%20vfinalrev1.pdf (consultado em 06/2024)

Sociedade Ponto Verde. 2019. “Estes tijolos são feitos de beatas”. RECICLA. Lisboa, Sociedade Ponto Verde
https://recicla.pt/ideias-sustentaveis/estes-tijolos-sao-feitos-de-beatas/ (consultado em 06/2024)

https://rmsl.apambiente.pt/content/beatas-de-cigarro?language=pt-pt (consultado em 06/2024)

https://cm-sintra.pt/atualidade/ambiente/beatas-de-cigarro (consultado em 06/2024)

https://recicla.pt/abc-da-reciclagem/beatas-de-cigarro/ (consultado em 06/2024)