Ponte-Açude no Rio Novo do Príncipe, para que te quero?

No Rio Novo do Príncipe, em Cacia, encontra-se em construção uma ponte-açude que, embora venha resolver alguns desafios para a região, pode também pôr em causa a sobrevivência de uma espécie aquática mais antiga que os dinossauros, a lampreia. Como manter o equilíbrio entre as necessidades de ambos?

Cacia

Cacia é uma freguesia do concelho e distrito de Aveiro, localizada perto de Estarreja. É hoje uma das zonas mais importantes do país a nível industrial, onde se encontram fábricas como a Companhia Aveirense de Componentes para a Indústria Automóvel (C.A.C.I.A.), a segunda maior unidade do setor automóvel português do grupo Renault, a Vulcano, a Funfrap, a Navigator, entre outras. De entre os vários elementos importantes para a localidade, o seu rio desempenha um papel fundamental nos diversos setores de atividade.

O “Rio Novo” do Príncipe

Começando no sítio do Murçainho, em Sarrazola, e terminando na Cale do Espinheiro, na ria de Aveiro, o Rio Novo do Príncipe apresenta cerca de 5 km de extensão, sendo o resultado da alteração do percurso primitivo do Rio Vouga, alteração essa que data do início do século XIX. O rio reveste-se de enorme importância para diversas atividades, como a agricultura e alguma operação industrial, como é o caso da empresa Navigator, e ainda para a prática de diversas modalidades desportivas como o remo, o padle e a canoagem, entre outras. De onde surge a necessidade de construção de um novo açude?

O Projeto Ponte-Açude

Segundo informações prestadas pela CIRA (Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro), a decisão da construção do “projeto INFRAESTRUTURAS HIDRÁULICAS DO SISTEMA DE DEFESA CONTRA CHEIAS E MARÉS NO RIO VELHO E RIO NOVO DO PRÍNCIPE (PONTE-AÇUDE) visa substituir um açude provisório construído anualmente pela Navigator no leito do Vouga (…), formando uma barreira à entrada da água salgada”. Adianta, ainda, que “Este projeto contempla a construção de uma ponte-açude, perto da foz do Rio Vouga, de forma a defender os terrenos agrícolas do Baixo Vouga Lagunar da entrada da água salgada da Ria de Aveiro e da progressão da cunha salina, permitindo também a deslocação das espécies piscícolas a montante e o armazenamento de água para rega nos períodos de estiagem.”

Segundo dados facultados pela mesma entidade, “a ponte-açude consiste numa estrutura perpendicular ao rio, reguladora dos níveis de água e das correntes, que compreende em resumo: Estrutura de betão armado (…) com 4 comportas planas (vagão), de abertura vertical; Comportas com 10 m de largura e 6.8 m de altura (…); Açude que compreende um viaduto rodoviário com 2 faixas de rodagem (10 m de largura), ligando as duas margens; Equipamento elétrico e eletromecânico, incluindo grupo gerador de emergência, edifício de controlo, etc, garantindo a sua permanente capacidade de regulação.

O seu funcionamento hidráulico tem como “objetivos – impedir a intrusão salina e permitir o armazenamento de água doce a montante”.

No entanto, a CIRA não deixa de reconhecer o que designou de “Condicionantes – permitir o acesso das espécies piscícolas a montante, em especial nos meses de janeiro a abril; e não agravar as condições de escoamento atuais das cheias.”

MARE – Um outro olhar

 Procurámos compreender as efetivas perdas e ganhos obtidos com a sua construção, agora na perspetiva de investigadoras da Universidade de Évora, associadas ao MARE, Centro de investigação científica, desenvolvimento tecnológico e inovação.

Com competências técnicas e científicas para abordar todos os ecossistemas aquáticos, que desvantagens aponta o MARE, na construção do açude já em curso?

Procurámos compreender que riscos correm algumas espécies aquáticas existentes no rio Novo do Príncipe, nomeadamente, a lampreia, “espécie mais antiga do que os dinossauros”, “espécie campeã da sobrevivência”, que pode agora ver ameaçado ou deteriorado o seu habitat se a ponte-açude não assegurar as condições ideais para o seu ciclo de vida e de reprodução.

Impacte para algumas espécies como as lampreias

As lampreias, Petromyzon marinus Linnaeus, ao longo da sua vida, passam por diferentes fases: primeiro, o ovo é fertilizado. Durante a sua fase larvar, enterram-se no sedimento dos rios e alimentam-se por filtração.   Nascem no rio, onde permanecem de três a cinco anos, e crescem no mar, onde se irão alimentar de outras espécies chamadas “hospedeiras”, durante cerca de dois anos. Retornam ao rio para se reproduzirem, na primavera e no início do verão, e morrem pouco depois da desova.

Entre várias ameaças possíveis sentidas no mar, como o aumento da mortalidade por falta de presas suficientes para se alimentarem, o aumento da temperatura trazida pelas alterações climáticas e o aumento da predação, que podem pôr a espécie em risco, veem-se, no retorno ao rio, perante a ameaça resultante da construção de açudes ou barragens, caso estes não assegurem a construção de passagens para que consigam subir o rio e chegar ao sítio ideal para se reproduzirem.

Assim sendo, segundo as investigadoras do MARE, é fundamental que sejam criadas condições para que esta espécie tão antiga, quer no planeta, quer no nosso rio, não perca o seu Habitat, o que poderá acontecer num futuro próximo se a ponte-açude se tornar numa barreira que não consigam transpor.

Lampreias, para que vos quero?

Numa fase em que todas as iniciativas pela sustentabilidade e pela proteção dos ecossistemas e das espécies em risco é prioritária, não podemos deixar de apelar à consciência de todos e dos principais responsáveis para que sejam garantidas as condições necessárias para que as lampreias do nosso Rio continuem a viver e a reproduzir-se por mais alguns milhões de anos e não tenham, em breve, o mesmo triste fim dos dinossauros.