Hoje, já são poucas as pessoas que olham para os céus durante a noite. Afinal o que tem de especial esta abóbada celeste? Nada! Sejamos verdadeiros, nesta hora de grande pesar não existe nada, nem estrelas, nem planetas, nem outro fenómeno no céu noturno que arrepie até a mais insípida alma. À noite, o céu, em vez de nos brindar com a magia do espetáculo das constelações, oferece-nos um desagradável e enfadonho cosmos. Mas porquê? Não nos adianta culpar a Mãe Natureza, o céu opaco nunca na vida poderia ser comparado a um sismo, a um “tsunami” ou a um tornado. Esta situação radica em nós, seres humanos. Somos nós os principais responsáveis. Neste momento, alguns leitores devem estar a questionar as minhas declarações – como é que o ser humano poderá afetar o complexo funcionamento do céu? Afinal de contas, somos tão pequeninos! Isto é muito fácil de explicar e, para isso, utilizarei como exemplo este pequeno concelho do Norte de Portugal.
Foram questionadas várias pessoas desta região sobre esta situação, se elas se lembravam de algum tempo em que o céu noturno era recheado de estrelas. Nenhuma delas se lembrava. O céu para elas fora sempre escuro e monótono. Talvez o testemunho que melhor sintetizava esta situação desesperante é o da senhora Alzira Coelho de 72 anos, habitante de Lordelo – “Ver estrelas? Só quando dava pontapés nas pedras.”. Parece que a população de Paredes já se conformou com o problema.
Porém, Paredes nem sempre foi o concelho que é hoje. Antes era uma região mais precária, com uma infraestrutura muito pouco desenvolvida. Contudo isso tudo começou a mudar a partir da segunda metade do século XIX, graças às enormes reformas tomadas por um colosso da história deste município, conhecido pelo epíteto de “Rei de Paredes”, José Guilherme Pacheco. Ele procurou sempre melhorar os transportes, a acessibilidade, a educação e as comunicações. Promoveu o progresso do concelho e teve um papel preponderante na iluminação deste. Desde então a evolução deste território nunca mais parou, e também a sua consequente urbanização. Paredes torna-se de certa forma uma referência na região do Vale de Sousa e a população tem crescido a um ritmo nunca antes visto, de tal forma que quatro localidades foram elevadas a cidade (Paredes, Lordelo, Gandra e Rebordosa).
No entanto, este progresso veio com um preço bastante elevado – a beleza do céu noturno. A exagerada iluminação espalhada por todo o nosso concelho é que é a grande responsável pelos céus opacos. As luzes envenenam as estrelas! A este excesso de luz artificial emitido pelos centros urbanos, com destaque para as cidades, dá-se o nome de poluição luminosa. Eu não venho por nenhuns meios afirmar que a iluminação noturna é negativa em todos os sentidos. Claro que não! Estas luzes têm um efeito preponderante no funcionamento desta terra. As pessoas deixaram de estar limitadas ao dia e a noite passou a ser celebrada em toda a sua plenitude. A noite era uma mera criança! Os serviços hospitalares e as acessibilidades do concelho melhoraram consideravelmente e com isso a qualidade de vida. Também a taxa de criminalidade diminuiu. Todavia, esta não deixa de ser problemática.
Então, como é que podemos resolver esta situação sem que a iluminação do município seja afetada dramaticamente? Muito simples! O problema reside na natureza dos próprios candeeiros. Grande parte dos candeeiros de Paredes possuem um raio de iluminação exagerado (cerca de 360 ), o que torna substancialmente difícil a observação noturna dos astros. Para combater esta parte do problema, basta reduzir este raio de iluminação, de tal modo que os candeeiros iluminem apenas o chão. Nós só necessitamos de iluminação para nos guiarmos pelas ruas deste concelho, não para olhar para os céus. Aí já existe iluminação mais do que suficiente! Aliás, este tipo de iluminação, nomeadamente através de LEDs, pode ser bastante ineficaz. Também pode-se reduzir o número de lâmpadas por candeeiro e substituí-las por modelos mais eficientes.
Agora eu gostaria de me dirigir aos leitores mais céticos. Os leitores devem estar a pensar que a poluição luminosa não é nada de especial, o problema do céu opaco não é algo que se deve dar prioridade. Contudo é aí que se enganam! A poluição luminosa acarreta inúmeros problemas para além de um cosmos apagado. O jornal Environmental Health Perspectives, apoiado pelo americano National Institute of Environmental Health Sciences (NIEHS) , aponta para uma correlação entre os níveis de produção de melatonina, hormona responsável por induzir o sono no ser humano, e a poluição luminosa. Esta hormona é produzida em maior quantidade quando um indivíduo se encontra em locais escuros. Como o ser humano passou a estar sujeito a mais horas de luz diária, os seus níveis de produção desta hormona baixaram, o que por si leva a uma diminuição nas horas diárias de sono. Esta diminuição acarreta inúmeros problemas, principalmente para os mais jovens, pois o sono tem um enorme papel no desenvolvimento e regeneração do ser humano. Um mau sono prejudica o normal funcionamento do organismo humano. Também, de acordo com a “American Association for Cancer Research”, existe uma maior incidência de cancros (da próstata e da mama, nomeadamente) em pessoas sujeitas a estas condições. Com tudo isto, temos muito a temer com este problema.
Apesar das adversidades que enfrentamos com a poluição luminosa, não precisamos de nos sentir impotentes face a esta. Basta unirmo-nos para não nos perdermos neste dilúvio de luz artificial que banha Paredes. Ainda há tempo para devolver a glória a este céu desértico, para que, assim, o ser humano finalmente entenda o pequeno lugar do Universo que realmente ocupa. Ainda há tempo para nos perdermos nos confins dos céus.
You must be logged in to post a comment.