Saúde e Alterações Climáticas: a aliança ideal

A poluição atmosférica tira a vida a 7 milhões de pessoas anualmente. Ademais, 250 000 mortes são expectadas entre 2030 e 2050 devido à crise climática (OMS). Estas vidas não foram esquecidas durante o painel intitulado “Health and Climate Change”, presidido por María Neira, médica e diretora de saúde pública da OMS, que decorreu na COP 24, em Katowice.

A poluição atmosférica tira a vida a 7 milhões de pessoas anualmente. Ademais, 250 000 mortes são expectadas entre 2030 e 2050 devido à crise climática (OMS). Estas vidas não foram esquecidas durante o painel intitulado “Health and Climate Change”, presidido por María Neira, médica e diretora de saúde pública da OMS, que decorreu na COP 24, em Katowice (Fig.1).

Figura 1 – Painel “Health and Climate Change” na COP 24

Durante esta discussão, a articulação da saúde pública, enquanto determinante essencial da qualidade de vida, com as medidas definidas no Acordo de Paris foi o tema em destaque, em conjunto com o papel exigente que os profissionais do sector têm na sensibilização para a crise climática e necessidade de mudança de comportamentos em vista a sua mitigação efetiva. De facto, a interdisciplinaridade pela qual se pautou o debate constituiu um entusiasmante ponto de partida para a concretização dos objetivos aí expostos.

De uma forma semelhante, a interdisciplinaridade debatida mostrou ser a chave para uma vitoriosa aplicação prática do Acordo de Paris, mais concretamente, dos desafios que o “Katowice rulebook”, elaborado durante as duas semanas da COP, nos apresentará. Atrevo-me ainda a frisar, à semelhança de Neira, que o completo potencial do Acordo de Paris somente será aproveitado e explorado se a saúde pública for devidamente integrada nas metas traçadas. É de notar que as alterações climáticas não são um tema por si só, porém um complexo problema envolvendo educação, economia, saúde, entre outras áreas.

Com o intuito de conscientizar para a importância desta “aliança” no quotidiano de cada um de nós, a médica lançou a seguinte questão durante o seu discurso: “Preferiam ter pulmões escuros ou cor de rosa?” (“Would you rather pink or dark lungs?”). De facto, a resposta para esta questão parece óbvia, no entanto, como é que podemos contribuir eficientemente para termos “pulmões cor de rosa”? A primeira tarefa consiste em apercebermo-nos que é fundamental o controlo das emissões de gases com efeito de estufa, em particular de dióxido de carbono, para atenuar as desastrosas consequências das alterações climáticas na saúde humana. Em segundo lugar, entre outras alternativas, a mobilidade sustentável surge como uma solução interdisciplinar e eficaz, não fossem frequentemente “as soluções para a crise do clima e na saúde as mesmas”.

Neste sentido, 2018 foi um ano no qual se tornou progressivamente mais evidente que a qualidade de vida a nível mundial é influenciada pelo aumento da temperatura. Efetivamente, a sobrevivência de milhões de famílias e comunidades depende da diferença entre um incremento de 1.5ºC ou 2ºC, bem como da rapidez e sucesso da transição do uso sistemático de combustíveis fósseis para alternativas renováveis. A inércia que parece caracterizar o reconhecimento desta realidade é prejudicial e os efeitos estão à vista. Voltando a María Neira, “Porque é que insistimos em degradar a qualidade do ar que nós próprios respiramos?”.

Olhando para as comunidades indígenas, cujo território e recursos naturais, pilares da sua subsistência, têm sofrido, em larga extensão, as consequências das alterações climáticas, é evidente a necessidade de cooperação entre setores. Três anos após o Acordo de Paris, não só a poluição atmosférica, mas também violentas catástrofes naturais, doenças infeciosas e do trato respiratório, vitimaram indivíduos, cenário que tenderá a ser agravado pela crise climática. Claramente, a abordagem a este mesmo acordo não tem sido executada da forma mais adequada: o “rulebook” que sairá da COP 24 representa a oportunidade de garantir o seu sucesso definitivo.

Assim, e uma vez que o relatório da OMS sobre saúde pública e alterações climáticas revela que indivíduos em todo o mundo depositam uma confiança maior nos profissionais, com destaque para médicos e enfermeiros, gostaria de reforçar o papel destes últimos no combate à desinformação e “fake news” em termos de alterações climáticas e as suas consequências- Acredito que o seu papel ao lado dos denominados “policy makers” nas políticas, por exemplo, de descarbonização é crucial e poderá ser melhor explorado no futuro. É inegável o poderoso veículo de informação aos pacientes que estes profissionais constituem: numa altura em que a falta de informação filtrada nos assombra, a transmissão de factos científicos por parte de médicos ou enfermeiros adquire particular relevância.

Em suma, o reconhecimento da simbiose intima entre saúde e políticas climáticas eficazes, é o passo decisivo para evitar tragédias irreversíveis a curto e longo prazo. 250 000 vidas dependem deste passo e dependem também da nossa ação. Afinal, preferimos pulmões escuros ou cor de rosa?

 

Maria Carreira