O pirilampo, ao longo dos tempos, foi adquirindo uma reputação carismática entre as pessoas e fez parte do imaginário da infância da Geração dos Millennials,pela sua peculiaridade, a capacidade de conseguirem emitir luz. Nos recantos da penumbra, conseguíamos avistar uma luz intermitente e estes encontros mágicos mergulhavam-nos num momento de fantasia, no qual podíamos segurar este maravilhoso inseto, que emite uma luz que não queima sendo esta uma das luzes mais frias da Terra.
Existem cerca de 2000 espécies conhecidas em todo o mundo, em Portugal, onde recentemente foram descobertas nove espécies, existe maior presença no Norte e Centro, no entanto, é possível observá-los em quase todo o território português. No estudo “A Global Perspective on Firefly Extinction Threats”, publicado na revista Bioscience, os autores referem, que os 49 especialistas consultados foram unânimes, relativamente à perda de habitat na Europa, associada à urbanização dos terrenos, à industrialização e à intensificação da agricultura e ao uso de pesticidas, que são a principal ameaça às espécies distintas de pirilampos. A segunda maior ameaça, apontado pelos especialistas, foi a iluminação noturna presente na sociedade moderna.
Os pirilampos, quem são?
Os pirilampos são insetos coleópteros e pertencem às famílias Elateridae, Phengodidae ou Lampyridae, alimentam-se de vegetais, mas também de caracóis e outros vermes, por vezes, adotam hábitos terrícolas, tendo uma dieta de raízes e base de caule de plantas quando em fase larvar. Estes conhecidos insetos são bioluminescentes e possuem dois pontos luminosos sob as faces ventral e dorsal do último segmento do corpo, tanto os pirilampos adultos como as larvas.
Esta característica é essencial à reprodução do ser vivo, já que as fêmeas pirilampo são desprovidas de asas o que limita a sua locomoção, sendo os machos que encontram as fêmeas para o acasalamento. Dependem da sua capacidade de brilhar para encontrar e atrair parceiros. Os machos são seduzidos pela luz emitida pela fêmea, voando ao seu encontro, podendo iniciar mais um ciclo reprodutivo. A sua fase de reprodução é curta, pois um adulto só vive poucos dias, criando um espaço temporal de reprodução extremamente curto e vital para a sobrevivência da espécie. Avalon Owens, no estudo publicado pela Bioscience, refere que “Além de interromper os biorritmos naturais, a poluição luminosa realmente atrapalha os rituais de acasalamento dos pirilampos”. A continuidade desta espécie e dos respectivos descendentes está atualmente a ser posta em risco e uma das principais causas deste fenómeno é a poluição luminosa, que põe em causa a “paixão luminosa” destes tímidos insetos, que na época de reprodução estão tão focados em busca da luz da parceira que chegam a deixar de se alimentar.
Efeitos da poluição luminosa
Como seria de esperar a fotopoluição prejudica animais e plantas, que alteram os seus comportamentos naturais e, por exemplo, no caso do pirilampo a sua luminescência é apagada pelas luzes artificiais afetando a sua reprodução de forma drástica. Para além disso, nesta lista de hábitos naturais alterados podemos encontrar a alimentação, o descanso e até mesmo a proteção contra predadores. Este fenómeno pode ter um enorme impacto na biodiversidade, causando uma quebra no equilíbrio do planeta trazendo repercussões inquantificáveis para a humanidade.
Para além deste efeito nefasto, o excesso de luz artificial noturna interfere na visão da abóbada celeste dificultando os estudos astronómicos e simples observações feitas pelas pessoas, retirando a perceção dos corpos celestes. O céu estrelado é um património cultural com que a humanidade foi presenteada, e está a desvanecer lentamente, ocorrendo uma degradação das condições naturais luminosas do céu noturno, de forma contínua. Esta situação retira o direito de várias gerações a essa herança tão preciosa.
Os seres humanos não estão excluídos de sofrerem diretamente com este tipo de poluição. Como a luz é um sincronizador forte do ritmo circadiano, a exposição constante à luz brilhante, ou seja, luz do dia ou luz artificial, com intensidade entre os 5000 e os 10000 lux, pode causar distúrbios gastrointestinais, cardiovasculares e até disfunções sócio-familiares. Ficar exposto à iluminação artificial durante a noite pode afetar o relógio biológico, que fica desregulado levando a um descontrole de algumas funções do nosso corpo. Esta situação mostra que iluminar a noite altera comportamentos e ciclos de vida e, segundo a neurocientista Tracy Bedrosian, existe uma relação entre exposição luminosa noturna e depressão, porque o ritmo circadiano fica desregulado, desencadeando desordens a nível do humor, problemas metabólicos e certos tipos de cancro.
A mitigação dos impactos da poluição luminosa
Esta problemática tem vindo a ser cada vez mais divulgada e discutida nos últimos anos paralelamente às suas consequências que são cada vez mais perceptíveis. Tendo este facto em consideração, algumas soluções começaram a surgir no meios urbanos, podendo destacar-se a principal mudança, aplicada à iluminação pública. Procurou-se otimizar a iluminação pública, ao nível do consumo de energia, da área e do ajuste da potência. Uma importante medida, que irá evitar uma maior fotopoluição, é que os candeeiros ou projetores devem refletir a luz que emitem somente para baixo não para os lados ou para cima. Para além destas medidas, várias associações têm apoiado a mitigação da poluição luminosa visando amenizar as suas consequências. São frequentemente promovidos eventos e outras atividades que com o objetivo de instruir a população sobre este tipo de poluição inexplorada e os seus graves danos. O Parque Biológico de Gaia é o exemplo de uma instituição que procura trazer “à luz da ribalta” os luminosos insetos, promovendo eventos como o Simpósio Internacional sobre Pirilampos, que irá ocorrer em 16 junho de 2021, que promove a preservação do pirilampo, entre outros eventos. Uma outra organização que procura sensibilizar sobre esta problemática é o projeto internacional Dark Skies Rangers, que pretende combater o problema da poluição luminosa, através da sensibilização da comunidade educativa e das autoridades locais para alterarem os sistemas de iluminação e preservarem o céu noturno. A importância em diminuir a fotopoluição vai, como observamos, para além do ser humano já que também afeta a biodiversidade. É urgente preservar um bem essencial para os ecossistemas deste planeta.
Fontes:
https://www.sciencealert.com/we-re-pushing-fireflies-towards-extinction-by-drowning-them-in-light
https://www.dn.pt/arquivo/2008/uma-pequena-luz-na-noite-1128365.html
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