A fundação ‘EcoHealth Alliance’ e o Instituto de Virologia de Wuhan recolheram, ao longo dos últimos anos, amostras de milhares de morcegos, originários de 15 províncias chinesas, catalogando e analisando-os. O projeto “Predict”, que era administrado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional desde 2009, conseguiu identificar mais de 160 coronavírus diferentes com potencial para se transformarem em pandemias, incluindo um vírus considerado geneticamente o mais próximo conhecido da Covid-19. Este projeto está a ser alvo de acusações por parte da administração do presidente Trump que se serve desta parceria internacional para fundamentar a teoria de que existe uma intencionalidade na propagação desta pandemia.
Com a disseminação da pandemia do SARS-CoV-2, têm sido muitas as teorias sobre qual a origem do novo coronavírus. Os morcegos e o chineses foram considerados culpados pela propagação do vírus. A Organização Mundial da Saúde (OMS) refere que a origem provável do coronavírus se deu nos morcegos. No seguimento desta especulação, Donald John Trump, presidente dos Estados Unidos da América, cortou o financiamento ao laboratório onde alegadamente o vírus foi “criado”. Este laboratório, o Instituto de Virologia de Wuhan, foi financiado pelo antigo presidente Barack Hussein Obama II em quase 3, 7 milhões de dólares americanos, o que está a servir uma nova teoria de conspiração difundida através de várias publicações nas redes sociais e aproveitada por representante eleito dos Estados Unidos da América, lançando uma onda de preocupação para a opinião pública. De imediato, e tirando partido da situação, foi anunciado o corte de 200 milhões de dólares que desta forma leva à opinião pública de que aquele financiamento era perverso e servia interesses obscuros em que o seu antecessor teria responsabilidades na pandemia.
O que é “Gaslighting”
Segundo a CNN é um facto que o representante dos EUA se tornou o “America’s gaslighter in chief”, como quem diz, o principal responsável pela manipulação e distorção da realidade naquele que é o país que mais pode influenciar a estabilidade do mundo. O “Gaslighting” é a distorção de informação por quem que confundir quem ouve, lê ou recebe essa informação, criando confusão e receios. O “Gaslighting”, e outros meios, é uma característica comum nos governos autoritários, mas é uma nova tendência, como uma forma mais subtil de controle político interno, mesmo em países com democracias implementadas. Segundo o “The Washington Post“, nos três primeiros anos de mandato, o presidente disse uma média de 12 falsidades por dia, sendo que muitas são repetidas até à exaustão. De acordo com o jornal norte-americano, que mantém uma contabilização em tempo real através do “Fact Checker” e disponível no sítio da internet do referido jornal, são atribuídas ao presidente Trump, até ao 29 de maio 2020 o total de 19128 mentiras ou declarações tendenciosas.
Os morcegos e os coronavírus
Os morcegos são conhecidos por serem portadores de diversos vírus, sem manifestar as doenças, e também foram apontados como hospedeiros de outros dois coronavírus que causaram problemas de saúde em muitos países: o vírus da SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) em 2002, e o da MERS-CoV (Middle East Respiratory Syndrome), em 2012. Foi na espécie morcego-de-ferradura-grande chinês (Rhinolophus ferrumequinum) que se descobriu o coronavírus com cerca de 96%de semelhanças com SARS-CoV-2.
Consequências para os morcegos e para o futuro do planeta
Ricardo Rocha, investigador pós-doutoramento da Universidade do Porto, trabalha com morcegos e refere que os humanos podem vir a ficar com medo do meio natural, o que pode afetar a conservação do mesmo. Segundo o investigador «o vírus pode ter tido origem noutro animal que não o morcego, que é alvo de um grande preconceito. Caso tenha sido efetivamente num morcego, a culpa não é desta espécie». A possibilidade da criação do vírus em laboratório, além de já ter sido descartada por agora por parte da Organização Mundial de Saúde, foi também rejeitada pelo Dr. Ricardo, estando convencido de que «quase de certeza apareceu do meio natural».
O morcego, muito diabolizado pelos vírus que transporta, não merece ser alvo desse preconceito. «Nenhuma espécie deve ser diabolizada, aliás, nada», segundo Ricardo Rocha. O morcego foi tido como culpado no discurso de muitas fontes noticiosas, em prejuízo da responsabilização humana na génese do problema. Além disso, ressalvou que o morcego é muito importante para o ecossistema e que «O morcego come as pragas agrícolas e contribui em muito para a economia».
Existe consenso sobre a importância de se investigar profundamente esse tipo de vírus nos morcegos, mas os cortes feitos pelos Estados Unidos põem em causa o sucesso de novas descobertas que também põe em causa o combate a novas pandemias, sendo um cenário expectável num futuro mais próximo. O investigador de morcegos afirma que «No fim de tudo, o morcego é uma espécie como as outras, nós estamos ligados de forma intrínseca a eles» e que «Para mim, é muito difícil dizer se a humanidade tirará alguma lição desta situação, mas diria que não, porque as doenças fazem parte da Natureza e do ecossistema. No entanto, podemos tentar manter a natureza no melhor estado possível». Esta técnica de controlo psicológica, o Gaslighting, pode ter um custo elevado para as sociedades e neste caso também para uma espécie que é importante para a biodiversidade e equilíbrio ambiental. É importante que os responsáveis por políticas sejam escrutinados e responsabilizados pelo recurso ao Gaslighting, bem como todos os cidadãos devem procurar informações que podem estar a ser omissas nalgumas mensagens que passam para a comunicação social.
Bibliografia:
https://www.ecohealthalliance.org/program/predict
https://edition.cnn.com/2017/01/10/opinions/donald-trump-is-gaslighting-america-ghitis/index.html
https://www.youtube.com/watch?v=NYUP95sw1IM
https://www.washingtonpost.com/graphics/politics/trump-claims-database/
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