“Os candeeiros da minha rua…”

RESUMO O autor descreve duas alterações concretas levadas a cabo pela autarquia de Vila Real no melhoramento da iluminação pública para combater a poluição luminosa: uma na rua onde mora e outra nas ruas envolventes da escola que frequentou no primeiro ciclo, a escola onde iniciou a sua missão como “Dark Skies Ranger”.

Quando vou à aldeia da minha avó, não muito longe da cidade onde vivo, Vila Real, ainda posso apreciar um céu noturno onde se identificam algumas constelações, mas nada que se pareça com o céu estrelado sumptuoso que é descrito pelos que o puderam observar antes de existir a poluição luminosa. É que ao enviarmos luz para o céu, deixamos de poder ver a luz que vem do céu com todo o seu esplendor.

A destruição do céu noturno é fruto da poluição luminosa provocada por equipamentos de iluminação exterior mal projetados, incorretamente instalados e com potências exageradas. Ao iluminarem para cima e para os lados, estes equipamentos tornam o céu noturno mais claro, ofuscando as estrelas. Além do enorme desperdício de energia que é dispersa, refletida ou emitida inutilmente para o céu, a poluição luminosa contribui também para o aquecimento global, afeta o equilíbrio dos ecossistemas e perturba a qualidade de vida das pessoas.

Felizmente, em algumas áreas rurais e de montanha ainda se pode contemplar um céu grandioso, um céu que, por se ter tornado raro, se transformou num importante recurso turístico. A primeira reserva do mundo a obter certificação Starlight Tourism Destination, atribuída pela Unesco e pela Organização Mundial do Turismo, em 2011, fica no Alentejo, é a “Dark Sky Alqueva”. Estas reservas são o reconhecimento de que um céu escuro é um património que deve ser preservado.

Já tive a sorte de passar algum tempo nos territórios da “Dark Sky Alqueva” e aí deslumbrar-me com um céu repleto de estrelas de cores e brilhos diferentes e o reluzir inebriante da nossa Via Láctea. É, de facto, um espectáculo deslumbrante.

Um pouco por todo o mundo têm vindo a aparecer movimentos contra a poluição luminosa, sendo essa luta liderada pelas escolas. Em Portugal o problema tem sido pouco debatido, não havendo, nem nos programas escolares, nem nos manuais, qualquer referência explícita ao problema. Isso é, para mim, incompreensível.

Como já deixei subentendido, a minha motivação para lutar contra a poluição luminosa veio, principalmente, do meu interesse pela astronomia. Foi esse gosto que fez de mim um defensor convicto do céu estrelado, um “Dark Skies Ranger”.

O meu primeiro trabalho contra a poluição luminosa destinou-se ao presidente da Câmara do meu concelho. Uma noite, fui à janela do meu quarto, com o telemóvel da minha irmã, e filmei os candeeiros da minha rua: uns “globos” péssimos que iluminavam para todos os lados menos para o chão. No vídeo que gravei pedi ao presidente da Câmara para acabar com aquele tipo de candeeiros e para os substituir por outros tapados em cima e dos lados, de modo a iluminarem melhor a rua e a pouparem energia e dinheiro. Esse vídeo obteve o primeiro lugar no concurso internacional “Dark Skies Rangers”, 2014. Quem me entregou o prémio foi o próprio presidente da Câmara Municipal de Vila Real.

Tinha na altura metade da idade que tenho hoje e desde aí nunca mais deixei de estar atento à iluminação exterior e de chamar a atenção dos decisores para os seus impactos. A poluição luminosa é um problema que prolifera por todo o lado, mas pode evitar-se com facilidade. Compete-nos a todos estarmos alerta.

Para obter uma iluminação exterior não poluente é necessário ter em conta o tipo de lâmpada, a cor, a potência, o tipo de luminária e a altura a que a mesma fica do solo. Um candeeiro excelente é servido por uma lâmpada eficiente, âmbar em vez de branca, com a potência necessária, mas não excessiva, emite luz só para baixo, não devendo a luminária estar afastada do solo mais do que três a quatro metros, ou melhor, não precisa de estar mais alta do que o indispensável para não ser alcançada pela mão humana, que, infelizmente, sente, muitas vezes, prazer em estragar o que é de todos…

O ideal é que as luzes só acendam quando é preciso. Com sensores de presença pode-se apagar a luz em períodos noturnos sem atividade automóvel ou pedonal. Há atualmente luminárias LED inteligentes, que permitem controlar o fluxo luminoso em função das necessidades de cada momento. Estes sistemas são ótimos, pois permitem poupanças energéticas adicionais e diminuem ainda mais a poluição luminosa.

O mais interessante é que as soluções que não produzem poluição luminosa são, simultaneamente, as que poupam mais recursos energéticos e as que iluminam com maior qualidade as ruas, estradas e áreas circundantes, transmitindo maior segurança e maior conforto visual às pessoas.

É com satisfação que acompanho as alterações na iluminação pública que têm sido realizadas na minha cidade. Foi com alegria que verifiquei que os “globos” que havia em redor da minha antiga escola, Centro Escolar da Araucária, foram substituídos por “luminárias antipoluição luminosa” (fig. 1), tal como eu e os meus colegas do primeiro ciclo propusemos. Os postes que sustentavam os velhos “globos” foram mantidos, mas a estes foram acopladas luminárias LED horizontais, com refrator plano, formando um ângulo de 90 graus com o poste. A luz é amarelo-suave e incide só para o chão.

Mais recentemente verifiquei que também substituíram os “globos” que existiam na minha rua por luminárias mais respeitadoras do céu escuro (fig. 2). A opção foi boa, mas não excelente, uma vez que a lâmpada está escondida em topo opaco, como deve ser, mas a base da luminária e o vidro curvo difundem alguma luminosidade para os lados. Neste caso, valorizou-se o caráter decorativo dos candeeiros, o que também é relevante numa cidade. Todos poderão testemunhar que a rua está agora muito melhor iluminada, tendo havido, certamente, uma grande redução do consumo energético. Além disso, tanto num caso como no outro, reaproveitaram-se os postes e a instalação anterior, poupando-se materiais e mão-de-obra.

O futuro do planeta depende da nossa capacidade de mudança para padrões de vida mais sustentáveis, que consumam menos recursos e que respeitem mais a natureza na sua escala mais ampla. O ponto de partida é que cada um defenda a melhor solução para a sua cidade, a sua escola, a sua rua…

 

Fig. 1 – Novas luminárias nas ruas circundantes do Centro Escolar da Araucária – Vila Real.

Foto: Francisco Pires, 9-6-2018

 

Fig. 2 – Novas luminárias na rua poeta Alberto Miranda – Vila Real. 

Foto: Francisco Pires, 10-6-2021

 

Francisco José Pinto Pires