O Ouro Azul
Pede a uma criança portuguesa para nomear alguns eletrodomésticos ou aparelhos que tem em casa, e ela talvez dirá uma máquina de lavar roupa na lavandaria, uma pia na cozinha, um lavatório em cada casa de banho. Estes tornaram-se típicos, e começar-se-ia a suspeitar que algo estava errado se alguém não tivesse nenhum destes. Porque todos acabarão por ter roupa suja que precisam de lavar, todos merecem saciar a sua sede, todos precisam de água para sobreviver, isso é apenas conhecimento geral.
Nem toda a gente é capaz de o fazer. Mas já sabes disso, não sabes?
Com o avanço da tecnologia, começámos a desvalorizar as coisas simples. A água é tão natural, não é? Todos conseguimos imaginar um rio a correr, um mar a varrer a costa. As necessidades básicas estão à nossa disposição a qualquer momento, por isso não temos de imaginar qualquer situação em que não estariam.
Tomemos em consideração, por exemplo, os desertos.
Imagina uma paisagem laranja ou amarela, areias grossas e ásperas, talvez até alguns cactos. Repara como não mencionei nenhum corpo de água. Não existe praticamente nenhum. Ainda assim, um sexto da população mundial vive em desertos. Isso é mais de um milhar de milhão de pessoas!
Claro, eles aprenderam a adaptar-se, por isso deixa-me trazer outro ponto à baila.
Sabes o que é um cerco? O dicionário Merriam-Webster define-o como “um bloqueio militar de uma cidade ou local fortificado para a obrigar a render-se”. O que significa essencialmente que o exército de um país rodeia a cidade do seu inimigo, até que os recursos da referida cidade se esgotem. Especialmente a água. Cortam os abastecimentos de água até a população se render ou morrer de desidratação, principalmente.
Se pedires a uma criança de um país pobre ou em guerra para nomear aparelhos ou eletrodomésticos que adorariam ter, e dir-te-ão uma máquina de lavar roupa na lavandaria, uma pia na cozinha, um lavatório em cada casa de banho.
Exatamente as mesmas coisas que mal nos interessam.
Elas por acaso não as merecem ter? Nós “merecemos”?
Então porque é que nós temos e elas não? Porque é que continuamos a não fazer nada?