Direitos das mulheres e ambientalismo

São já conhecidas as diferentes questões levantadas quando o assunto é o ambientalismo, talvez as opiniões mais efervescentes sejam sobre a forma como o ambientalismo deve ser aplicado às nossas vidas e qual a responsabilidade moral e ética de cada indivíduo. Apesar de ver tantas discussões sobre o assunto, é raro ouvir pensamentos racionais sobre o impacto das lutas sociais no ambientalismo e a forma como somos todos afetados pelas nossas más condutas, mas também, e principalmente sobre como somos parte do problema. É então necessário refletir e pensar sobre que fatores influenciam ou são influenciados pelo ambientalismo, e penso imediatamente na luta feminina.

José Ortega y Gasset, em uma das suas reflexões disse: “Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo”, não me seria possível concordar mais, mas talvez acrescentasse à citação “(…) e eu não tenho o dever de me preservar, mas tenho, pelo contrário o dever de preservar o que me permitiu ser quem sou”.

Como referi anteriormente, sinto que é de difícil confissão e até aceitação pela nossa parte a realização de que somos parte do problema, mas encontro, em maior escala, a falta de interesse em o que está por trás disto, porque motivo é que certas condutas ambientais negativas estão associadas a papeis sociais e económicos? e de que forma é que esses papeis podem estar também a afetar as nossas vidas em outros ramos?

É por causa disto que me coloquei a questão “será que os papéis de género têm um impacto nas alterações climáticas?” A resposta na sua versão mais simples é “Sim”, mas sinto que o mundo é demasiado complexo para respostas simples e por isso é preciso discorrer sobre o motivo. 

É primeiro que tudo essencial entender a necessidade da interseccionalidade nas lutas, independentemente de quais sejam e perceber que nenhuma luta social por mais garantida que se dê, vai alguma vez ser assentada sem a igualdade sem barreiras nem muros. Poderia divagar sobre qualquer um dos grupos afetados pelas alterações climáticas, mas achei essencial falar sobre as mulheres, por não terem o destaque devido neste tema.

A maior parte dos refugiados ambientais são mulheres (cerca de 80%) e crianças, segundo a UN WOMEN, até 2051 as alterações climáticas levarão 158 milhões de mulheres a condições de pobreza extrema e deixarão 236 milhões de mulheres na fome. Tem de haver uma razão para isto, mas qual?

  1. As mulheres tomam maiores responsabilidades quando a matéria é os cuidados não remunerados, então dispõem de uma quantidade menor de recursos económicos, e com baixos níveis de literacia e a falta de acesso a tecnologias e outros meios não têm forma de sair das suas situações;
  2. Em muitas culturas, o papel da mulher resume-se a tarefas domésticas e à recolha de alimentos e água, por esse motivo, em rotas de migração, foi provado o sobrecarrego excessivo sentido pelas mulheres que têm de percorrer longas distâncias para cumprir essa sua “missão”;
  3. Em 2022, a ONU “alertou que as mudanças climáticas podem aumentar os índices de violência de género, e que as mulheres obrigadas a migrar estão dentro do grupo mais vulnerável, suscetíveis a separação familiar, falta de acesso à educação, saúde e habitação, casamento infantil, exploração e violência sexual, sobretudo quando transitam entre áreas desconhecidas ou quando colocadas em abrigos temporários”.

A realidade é que a sustentabilidade tem diversas dimensões, sendo as mesmas: Social, Cultural, Ecológica, Ambiental, Territorial, Económica e Política; e todas estas áreas na sua coletividade e individualidade são marcantes e necessários pontos estratégicos dos direitos das mulheres, talvez o mais importante seja o social.

Reflitamos: o que realmente significa o elemento socialmente justo no ecofeminismo? Ao tratar do assunto, é inegável que se aborda a questão das classes económicas, as lutas de género, o poder aquisitivo das populações, entre outros aspectos que estão intrinsecamente ligados aos fundamentos justos de sustentabilidade. Neste cenário, a tecnociência é vista como um guia para as sociedades pós-industriais, sendo predominantemente representada por indivíduos elitizados e do sexo masculino, e por essa razão, torna-se também um motivo estruturante da desigualdade social.

Concluindo, o problema da desigualdade de género, tal como o das alterações climáticas têm muito mais em comum do que é perceptível à primeira vista, sendo também, segundo muitos autores, lutas complementares.

 

Maria Demétrio