Fechar os olhos nunca foi solução para resolver os problemas.
No entanto, mandamos o nosso lixo para longe da vista, de algum modo acreditando que ele vai desaparecer. Mas ele aparece por todo o lado, nas praias cheias de plásticos, nas margens dos rios, no solo… Tudo nos mostra que os resíduos perduram para além da vista, e não sabemos bem o que fazer com eles.
Quando não queremos mais um objecto, deitamos fora de forma automática, sem pensar no que acontece a seguir. Garrafas de plástico, sacos, copos e palhinhas descartáveis são deitados ao lixo depois de terem sido usados uma única vez. Vão para as lixeiras e ficam a apodrecer. Outras vezes são queimados para obter energia, libertando gases poluentes para a atmosfera. Com sorte são reciclados para terem uma segunda vida. Com muita sorte, uma terceira vida. E depois ?
Muitas vezes o vento arrasta este lixo até aos cursos de água. Segundo a Fundação Ellen MacArthur, todos os anos vão parar ao mar mais de oito milhões de plásticos, o que equivale a um camião de plásticos deitado ao mar em cada minuto. Não surpreende que se encontrem plásticos nas ilhas mais remotas do planeta. Há ilhas inteiras feitas de plástico a boiar nos nossos mares.
Face a este problema, muitos têm depositado esperança na reciclagem.
O reaproveitamento dos materiais usados é algo que tem estado presente sempre na vida do ser humano. Mas a reciclagem, tal como a conhecemos hoje em dia, é algo do século passado, impulsionado com o intuito de recuperar dinheiro e cuidar o ambiente. No entanto, depois de décadas, somente uma pequena parte da população recicla. Os estudos dizem que a nível global só o 5% do plástico é reciclado. Em Portugal, por exemplo, dois terços da população admite que recicla, mas a quantidade do lixo produzido não pára de crescer.
A reciclagem sendo atenuante do problema não parece ser solução, especialmente quando a produção de lixo não pára de aumentar. No caso dos plásticos existem inúmeros tipos diferentes, o que os torna muito difícil de os reciclar. Além disso, só se podem reciclar em materiais de qualidade inferior, que é chamado de “downcycling”, o que apenas atrasa o seu fim inevitável numa lixeira. A reciclagem dos restantes materiais, mesmo sendo mais eficiente, gasta muita quantidade de energia. Perante esta realidade, alguns começaram a pensar que este modo de vida não é sustentável e que precisamos de mudanças.
Foi assim que surgiu o movimento Zero Waste, movimento que pouco a pouco vai ganhando mais adeptos. Segundo Lauren Singer, criadora do blog “Trash is For Tossers”, a ideia principal deste movimento consiste em não deitar nada ao lixo. Nada mesmo. Nem em casa, nem na rua, nem em lado nenhum. Ou seja, não gerar lixo. A pioneira deste modo de pensar e atuar é Bea Johnson, quem descreveu num livro o seu estilo de vida e os passos que se devem seguir para conseguir viver sem gerar resíduos. Bloggers de todo o mundo seguiram a sua inspiração e mostram-nos como o lixo que fazem durante anos cabe dentro de um pequeno frasco de doce. Embora os mais cépticos pensem que se trata dum estilo de vida dos hippie, é nas cidades onde mais se tem difundido, mostrando que uma vida cosmopolita e moderna é possível mesmo não fazendo lixo nenhum. Em cidades como Nova Iorque e São Francisco, com Lauren Singer e Kathryn Kellogg, ou Ariana Schwarz em Paris, vários são os exemplos de como este movimento está definitivamente na moda.
Para seguir esta tendência basta adoptar algumas mudanças simples, como comprar alimentos a granel, usar a tua própria garrafa reutilizável de aço inoxidável ou vidro, substituir toalhas de papel com as de tecido ou mudar as escovas de dentes de plástico pelas elegantes escovas de bambu. Também aprenderam a fazer produtos de higiene pessoal para não ter que comprar embalagens. Com os resíduos orgânicos, produzem composto para adubo, em casa ou levando aos agricultores mais próximos. Lauren Singer conta que compra legumes aos agricultores das redondezas, e que lhes dá a eles o seu lixo orgânico. Também deixou de comprar roupa em primeira mão e passou a comprar tudo em segunda mão, para não introduzir mais lixo no ciclo. Por outro lado, a blogger Kathryn Kellog recomenda sempre levar os seus utensílios de comida e não se esquecer de dizer “não preciso da palhinha” quando se pede uma bebida. Também optou por não ter nenhum caixote de lixo em casa para “ter mais consciência sobre o lixo”.
Embora este estilo de vida implique deixar de lado alguns confortos, como sair de casa sem planificar as compras, também traz prazeres inesperados, consequência de uma vida mais simples e consciente. São tantos os benefícios que se torna divertido, como assegura a Ana Martins, criadora do blog “Ana Go Slowly”.
A experiência da Ana Martins
Para conhecer mais sobre o tema, entrevistamos a Ana Milhazes Martins, que além do blog onde conta como evita fazer lixo, é também gestora da página de facebook “Lixo Zero Portugal”. Ana começou em 2011 uma vida minimalista, reduzindo ao máximo aquilo que tem e vivendo só com o essencial. Há dois anos, depois de ter lido o livro de Bea Johnson começou a pôr em prática a mesma filosofia de vida.
Ana conta que o movimento Zero Waste vai ao encontro dos seus ideais, e não só reduz a nossa pegada ecológica, como se sente bem e tranquila com ela própria. Passou a comprar em lojas pequenas e a falar mais com os vendedores, aumentando a sensação de comunidade. Em relação à saúde, afirma que não corre o risco de ingerir poluentes que os plásticos podem libertar nos alimentos pois não compra comida envolta em embalagens. Com este estilo de vida, não só poupa dinheiro, como tendo menos coisas “é mais fácil tomar conta delas, o que traz uma sensação de tranquilidade”.
Segundo a Ana, o mais difícil é conseguir ser firme na nossa posição e dizer “não quero”. Hoje em dia o hábito de fazer lixo é forte e automático, e a qualquer momento te oferecem objetos como guardanapos, palhinhas ou colheres de plástico. “Uma pessoa tem que estar mesmo com o botão ligado”.
Mas será este um movimento para toda a gente ?
Ana mostrou algumas dúvidas, sobretudo se for cumprido à regra tal como no livro Bea Johnson. Mas a maior parte das coisas é possível para a maior parte das pessoas. Nas palavras de Ana, se as pessoas aplicarem algumas dicas, por exemplo, recusarem os descartáveis ou não aceitarem mais copos de plástico ou toalhitas, vão fazer uma grande diferença. Embora o indivíduo tenha um grande poder, pois é ele que escolhe o que deseja consumir, os governos podem ajudar muito. Nalguns países, como em França já se fizeram passos importantes, como a proibição de venda de talheres, copos e pratos de plástico. Na Bélgica impera o “pay-as-you-throw”, ou seja quanto mais resíduos gera um cidadão, mais paga.
Ana Martins considera ambos bons exemplos que Portugal devia imitar. Mas não faltam ideias sobre o que o governo poderia fazer, como baixar impostos aos produtos em granel e aumentar aos que vêm em embalagens, obrigar aos estabelecimentos a servir tudo em vidro, ou tantas outras coisas. Há imensas medidas que se podem fazer, é uma questão de começarem a despertar as consciências para isso.
MADDALEN DIAZ ~ PHOTOS ~ PIXABAY / PEXELS
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