Tejo, um rio,(quase)morto…

Nasce em Albarracín (Espanha), mas El Tajo é muito mais que um rio espanhol. É certo que o percurso de pouco mais de mil quilómetros acontece do outro lado da fronteira, mas o Tejo é o maior rio português. Eis o Tejo Internacional que de esplendor tem as virtudes da vista ao longe…de perto, de água límpida só na nascente, na província de Aragão. Depois da nascente e até à foz, no oceano Atlântico, confirmam-se histórias, escrevem-se livros, fazem-se reportagens, limpa-se a espuma que mancha a fama do rio.

Toledo, município que corre o risco de perder a classificação de cidade Património da Humanidade, devido aos problemas ambientais anexos ao rio.

De lá para cá, acontecem um sem número de peripécias: transvases, desvios do caudal e a “torneira” que se fecha ou abre um pouco mais, consoante as necessidades ou os apetites espanhóis. É preciso que se saiba que do estuário do Tejo partiram as naus e as caravelas dos descobrimentos portugueses, mas isso é passado. A imundice, porventura não seria tanta comparada aos tempos que correm. A palavra poluição tem significado, mais que nunca. Faz sentido, a indústria intensificou-se e com um rio tão perto até dá jeito, para despejar ou afugentar para longe aquilo que não se quer. É o que acontece, de montante para jusante a poluição é praga, vem de Espanha mas o ritmo não abranda em território português…

A propósito de Espanha a coisa é mais séria do que se possa julgar, Toledo, por exemplo, cidade Património da Humanidade pode correr o risco de vir a ser desclassificada por causa do rio que a abraça, um abraço sujo e malcheiroso. E não esquecer ainda que, antes de cá chegar a sua água serve para fazer a refrigeração da Central Nuclear de Almaraz através da barragem de Arrocampo-Almaraz.

Mas uns quilómetros mais à frente, é a barragem de Cedillo que marca a transição, ou seja, quando o rio entra em Portugal.  Lá diz o povo e com alguma razão que “quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita”, e assim é com o Tejo.

Trabalhos de remoção da espuma resultante da poluição do rio, em Vila Velha de Rodão.(foto: Paulo Cunha – Lusa)

 

Se a jusante das famosas Portas de Ródão ainda se vislumbra uma certa atividade na água, é a partir de Vila Velha de Ródão que as coisas se complicam. E, comprovadamente muito. Das empresas de celulose à transformação do bagaço todos ajudam ao empurrão poluidor que segue rio abaixo. Este rio quase morto, com uma coloração preta, peixes a boiar e de cheiro pestilento (tradição ribeirinha de há anos), tenta sobreviver. A verdade é que essas e outras empresas possuem licença para a descarga de efluentes mas esses têm obrigatoriamente de ser devidamente tratados e pelo que se constata, tal não acontece. Diria mesmo que, ao fim de tantos anos ser poluidor/pagador, compensa…

Parece que, finalmente o Tejo está na moda e pelos melhores motivos, no meio de toda a desgraça. Os políticos mostram-se empenhados em resolver um problema. Mas será que ainda vão a tempo? Não faltam inspeções, inspetores, Ministro do Ambiente e Secretário de Estado mas, as modas são efémeras e as empresas lá continuam a despejar um pouco mais ou um pouco menos, mas continuam. O perigo prevalece. Também é verdade que se revogam licenças quando se polui muito acima do permitido e até se anunciam que essas, as licenças, vão ser revistas. Chega para parar a poluição do Tejo?

O que existe no meio deste puzzle, interesses económicos/interesses ambientais é uma espécie de hipocrisia, onde parece transparecer a hegemonia económica sobre a decisão política. “Acabaram as licenças cegas em Portugal”, anuncia o Ministro da tutela, que é como quem diz, as futuras licenças terão valores de descargas autorizados, mas que poderão ser alterados de forma a serem adaptados às capacidades dos rios onde são despejadas as águas residuais. Ou seja, o consentimento é para continuar a poluir mas menos.

Numa reportagem emitida pela RTP, no dia 15 de janeiro, um autarca dizia sobre a poluição do Tejo,”…Vila Velha de Ródão tem vindo a ser o bode expiatório, afinal o que aqui acontece é apenas uma parte exígua do que se vem passando…”. Talvez sim ou talvez não. Mas o facto é que a mortandade de peixes, a dita água negra e o mau cheiro começam precisamente aí, em Vila Velha de Ródão.

O pressing político de alterar as coisas é meritório, sem dúvida, até porque há uma causa a defender. Um bem escasso que é a água e um ecossistema que devia fervilhar de vida, no fundo, uma riqueza que é de e para o bem de todos.

O turismo não subsistirá aí, os pescadores esquecem a atividade, as pessoas não se fixam porque o trabalho escasseia, os que resistem ou se habituam aos odores ou fogem para outras bandas. Uma coisa parece certa, a culpa não é do Rio é de quem o anda a matar.

Por último, uma reflexão: existe uma carta de compromissos transfronteiriços, económicos culturais e ambientais. Existe ainda a vontade e o objetivo da criação de um observatório do Tejo. A continuar este rio, mesmo que seja menos sobrecarregado pela poluição, mesmo que se mudem as licenças e mesmo que as coimas para quem prevarica sejam substancialmente avultadas, o Tejo continuará a ter vida depois de uma morte lenta durante décadas?

Manuel Farias