Integradas na maratona Bioblitz, várias palestras procuram sensibilizar o público sobre a biodiversidade, a conservação e serviços do ecossistema, num complemento à interacção em tempo real entre investigadores e população realizada nas saídas de campo.
À conversa com três especialistas, Dra. Celeste Santos Silva, (Universidade de Évora), Dra. Cristiana Vieira, (Departamento de Botânica da Universidade do Porto), e Dra. Sandrina Rodrigues, (Departamento de Biologia da Universidade do Porto), oradoras nas palestras sobre a importância ecológica dos fungos, musgos e líquenes, respectivamente, tentamos dar a conhecer a importância de um microcosmo que se estende a nossos pés e que usualmente ignoramos.
Jovens Repórteres para o Ambiente: De que forma a presença ou ausência de líquenes, briófitas e fungos pode ser um bio-indicador da integridade ecológica de um local?
Dra. Sandrina Rodrigues: “No caso dos líquenes, podem ser considerados dois tipos de análise, que permitem tirar ilações sobre a qualidade do ambiente: a monitorização da sua diversidade, já que cada espécie possui determinadas condições ideais de sobrevivência, e diferentes níveis de resistência a químicos; e a monitorização de parâmetros químicos, que dá conhecer a concentração de certos poluentes.”
Dra. Cristiana Vieira: “As briófitas podem também ser consideradas bio-monitores, pois a identificação de determinadas espécies, cujas características e condições de desenvolvimento são conhecidas a priori, indica-nos a evolução do sistema em estudo, relativamente a parâmetros como a poluição.”
Dra. Celeste Santos Silva: ”Relativamente aos cogumelos, estruturas do fungo onde são concentradas as substâncias tóxicas, pode ser efectuada uma análise química que permite avaliar as condições do meio onde estes proliferam. Também a proporção entre simbiontes e saprófitos pode indicar a sanidade de um ecossistema.”
JRA: Quais as consequências de um possível declínio destes organismos?
CV: “Sendo as briófitas o refúgio de milhares de seres, desde moluscos, a insectos e artrópodes, o desaparecimento destas plantas, provocaria um declínio na micro fauna, comprometendo, consequentemente, a reciclagem de nutrientes e a retenção de humidade no solo.”
CS: ”O desaparecimento dos fungos provocaria uma calamidade no mundo vivo. Por um lado, apresentando alguns destes organismos relações de simbiose com a maioria das plantas, um declínio dos fungos resultaria numa decadência, paralela, de toda a vegetação. Completando o cenário de desastre ecológico, verificar-se-ia um acumular de matéria orgânica que, não sendo decomposta à escala normal, atingiria proporções desastrosas.”
JRA: Qual o impacto das alterações climáticas nos fungos e nas briófitas?
CS: “A mudança climática conduz a variações na pluviosidade e na temperatura que podem levar ao aparecimento de certos fungos, nomeadamente os que produzem cogumelos como frutificação, em épocas anormais. Tomando como exemplo os cogumelos, estes podem começar a surgir fora da Primavera e do Outono, período característico do seu desenvolvimento, em Portugal.”
CV: “Também as briófitas, adaptadas a climas húmidos e relativamente frios, poderão sofrer com as alterações climáticas, podendo as suas populações entrar em declínio, sendo substituídas por outras mais tolerantes, o que provoca uma diminuição acentuada da biodiversidade.”
JRA: A problemática das invasoras é também um flagelo que assola este microcosmo?
SR: ”Ainda não sabemos ao certo os padrões de dispersão dos líquenes, pelo que é difícil definir algumas variedades como invasoras. Desta forma, quanto a estes organismos, o problema ainda não se coloca.”
CV: “A nível das briófitas o problema é uma realidade preocupante. Temos como exemplo a colheita extensiva e intensiva destas plantas, para comercialização, que pode conduzir ao desaparecimento de determinados endemismos, levando à sua substituição por variedades exóticas mais resistentes e bem adaptadas. Uma das invasoras que mais problemas tem causado a este nível é a Campylopus introflexus.”
JRA: Dra. Celeste, na relação do Homem com os fungos, estes são vistos como um parente pobre da biodiversidade?
CS: “Sem dúvida. Quer em termos de estudos de biodiversidade, quer na legislação, os fungos acabam sempre por ser discriminados. A relevância dada à flora e fauna ultrapassa largamente a dada aos fungos. Mesmo em investigação, poucos são os projectos apresentados, e o financiamento dedicado a esta área é ridiculamente pequeno.”
JRA: Pondo de lado quer a parte negativa (associada ao parasitismo, como por exemplo o pé de atleta), quer os estereótipos (como a utilização dos fungos na produção de certos tipos de queijo, etc. …), exemplos de boas relações entre os fungos e o Homem?
CS: “É difícil encontrar exemplos que não se tornem demasiado complexos a nível científico. Temos o caso das leveduras, usadas em processos de fermentação para a produção de vinho, cerveja e pão, entre outros; e o caso mais directo dos cogumelos que servem de alimento. Uma das utilizações que é mais desconhecida é o Quefir (associação de fungos e bactérias), vulgo “flor do iogurte”, aproveitado no fabrico de iogurte.”
O termo “diversidade biológica”, ou biodiversidade abrange uma panóplia de formas de vida de valor incalculável. Deparamo-nos com umas diariamente; outras passam despercebidas, escondidas numa escala demasiado pequena para nos interessarmos, mas demasiado valiosa para perdermos.
Líquenes, briófitas e fungos cobrem o chão que pisamos indiferentes, ilustrando a necessidade urgente de tomada de atitude perante o que nos rodeia: onde uns nada vêem, outros descobrem um mundo que cabe na palma da mão (fig.4).
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