Processamento de resíduos no Pico

Os Jovens Repórteres para o Ambiente realizaram uma entrevista à responsável pelo Centro de Processamento de Resíduos da Ilha do Pico aquando da semana dos resíduos. “(…) por mais campanhas que sejam feitas, há pessoas que simplesmente não ouvem. Os municípios têm-se esforçado e a AMIP.” “(…)Infelizmente, ainda há muitas pessoas que acham que a responsabilidade é sempre do vizinho do lado e não sua… Não! Esses resíduos são nossos, fomos nós que os produzimos e o problema é nosso! É de todos! Por isso, cabe a todos fazer a separação!” “ (…) fazer o trabalho que as pessoas não fazem em casa tem um custo muito, muito, muito elevado!” “(…) atualmente somos 31 funcionários. Mesmo assim, considero que não somos suficientes, pois haveria trabalho se trabalhássemos das 08h00 às 08h00”

Luana Dias – Bom dia! Para começar, gostaríamos de agradecer a oportunidade de estarmos aqui a visitar o Centro de Processamento de Resíduos da ilha do Pico, inaugurado há 2 anos atrás.

Sabemos que está a decorrer a Semana Europeia da Prevenção de Resíduos, desde dia 19 até 27 de novembro, e por isso preparamos algumas questões. Além disso, eu e as minhas colegas estamos inscritas no projeto Jovens Repórteres para o Ambiente.

Infelizmente, no passado dia 23 de outubro, lemos uma notícia no jornal “Expresso”, que dizia que “Os Açores eram os melhores e os piores a reciclar”, uma vez que há municípios em que todos os resíduos recolhidos são enviados para reciclagem, como é o caso das Lages das Flores, e outros municípios em que enviam tudo para aterro, como são exemplo os concelhos das Velas e da Calheta de São Jorge.

CENTRO DE PROCESSAMENTO1

Sofia Marcos – Curiosamente, na Ilha do Pico, o município das Lajes apresenta uma percentagem de 81, 4% de resíduos que seguem para aterro, enquanto a Madalena tem cerca de 99,9% e São Roque do Pico apresenta 96,7%. Como explica que no Pico, onde se investiu quase 6 milhões de euros na construção deste Centro, com o objetivo de minimizar os impactos ambientais dos resíduos gerados nesta ilha, haja estas elevadas percentagens de resíduos que seguem para aterro. Como é possível que haja uma percentagem tão reduzida de resíduos recolhidos que se destinam à reciclagem?

Engenheira Janete Silva – Isto provavelmente aconteceu porque estes dados não devem ser deste ano. Nós começámos a trabalhar com os resíduos indiferenciados e a retirar algumas embalagens apenas em fevereiro deste ano de 2016. Os dados que esta notícia divulga devem ser provavelmente referentes a 2015. Nessa altura foi quando se começou a fazer o trabalho da recolha seletiva, pois até então só havia uma recolha seletiva de cartão que era feita pelos grandes produtores e uma recolha seletiva de vidro. Não havia contentores na rua e era portanto uma recolha destinada a alguns produtores. A partir de fevereiro de 2015, o Centro começou a trabalhar e começamos a receber os resíduos da recolha seletiva, que seguem diretamente para a reciclagem. Só este ano é que começamos a trabalhar com a recolha de indiferenciados, e assim podemos aproveitar alguns materiais que depois vão para a reciclagem. Mesmo assim, é preciso ter em conta que existe uma grande percentagem de resíduos que não são valorizáveis, porque não podem ir para a reciclagem. Existem aqueles que devido à sua origem, como dão entrada juntamente com os resíduos indiferenciados, podem ter um nível de contaminação ou de sujidade, que não permite a sua reciclagem. Daí esses dados que são muito pouco animadores, talvez porque também representam uma realidade que já não é a atual, mas que pertence ao passado. De salientar que este ano foi o ano de arranque e a recolha seletiva demora algum tempo a ser interiorizada pelas famílias, por isso os resultados deste ano provavelmente não serão iguais aos das Lages das Flores. De referir que as Lages das Flores já trabalham há 4 ou 5 anos, não começaram com o pé direito e nem sempre tiveram resultados animadores. Agora já estão a funcionar em pleno, a população da Ilha das Flores faz muita a recolha seletiva e mesmo assim não nos esqueçamos que eles são poucos, os florentinos representam apenas um terço da população do Pico… Precisamos de tempo e acredito que daqui a 1 ano ou 2, atingiremos melhores metas, iremos chegar lá e teremos resultados francamente animadores. Tudo tem o seu tempo e “ninguém nasce a saber andar”.

S.M. – Sabemos que este Centro de Processamento de Resíduos dispõe de um Centro de Valorização Orgânica por Compostagem para transformação dos resíduos orgânicos em composto. Queremos saber se o mesmo está a funcionar em pleno? Se sim, em que moldes? Se não, porquê?

Prof. Ana Silva – Esta pergunta foi pensada previamente porque sabíamos que no ano passado o Centro de Valorização Orgânica por Compostagem não esteve a funcionar. Realmente, hoje, aquando da visita, vimos que já há composto. No entanto, referiu que não sabe se o mesmo poderá ser utilizado, uma vez que ainda não realizaram as análises para se atestar se há nível de contaminação.CENTRO DE PROCESSAMENTO2

Eng.ª J. S. – De destacar que aquele processo é moroso. Começamos a fazer compostagem em fevereiro e só fizemos a primeira crivagem em julho, porque nos faltava equipamento que teve de vir do Porto e que lá estava sem ser utilizado e assim podemos rentabilizar algum dinheiro que já tinha sido gasto. O composto retirado encontra-se armazenado porque até agora ainda não conseguimos realizar as análises que são muito caras. O que nos dificulta mesmo o trabalho é ainda não sabermos se aquele composto será rentabilizado… Mas vamos fazer as análises. Em último caso, se o composto não tiver valor para ser dado ou comercializado para agricultura, poderá sempre ser dado e é algum dinheiro que se poupa. Claro que não rentabiliza todo aquele processo a que foi sujeito, mas a ideia aqui não foi só realizar lucro, foi também minimizar o volume de resíduos para depois conseguirmos cumprir metas que estão definidas a nível regional, nacional e europeu. Nesse momento não sabemos ainda o que é que vamos conseguir. À medida que a recolha seletiva e a gestão dos resíduos for sendo incorporada na mente das pessoas e estas deixarem de por resíduos perigosos na recolha indiferenciada, menor é o risco de contaminação que o nosso produto irá ter, pelo que agora poderemos ter algum problema, mas no futuro, se as coisas encarreirarem, acho que não vamos ter problemas.

Érica Jorge – O que acha das campanhas de sensibilização para diminuir o desperdício e aumentar a separação do lixo, realizadas pelas Câmaras Municipais e pela Associação de Municípios da Ilha do Pico? Até que ponto considera que as famílias fazem devidamente a separação do lixo?

Eng.ª J. S. – Bom, isto é uma pergunta muito complicada, porque quem está no terreno acha sempre que os esforços são poucos porque tardam a ter resultados… Muitas vezes é mesmo isso: por mais campanhas que sejam feitas, há pessoas que simplesmente não ouvem. Os municípios têm-se esforçado e a AMIP. Temos municípios que são os primeiros a tentar criar soluções e a tentar prevenir algumas coisas que corriam mal… Eles são sempre nossos parceiros… Mas há sempre outras coisas que podem ser feitas… Eles também começaram do zero… Com tempo provavelmente vamos lá… As pessoas também têm de ficar mais suscetíveis e sensíveis a certas questões.

Infelizmente, ainda há muitas pessoas que acham que a responsabilidade é sempre do vizinho do lado e não sua… Não! Esses resíduos são nossos, fomos nós que os produzimos e o problema é nosso! É de todos! Por isso, cabe a todos fazer a separação! Se os resíduos forem para o local correto, é mais fácil para quem recolhe e trabalha com resíduos, mas também há pessoas que andam pelas ruas e esta ilha é nossa e não queremos andar pelos caminhos a tropeçar em lixo. Se todos fizermos o nosso trabalho, acho que chegaremos a um bom porto!

E.J. – Que apelo gostaria de deixar à população do Pico?

Eng.ª J. S. – RECICLEM! RECICLEM! RECICLEM! Reciclem, basicamente é esta a ideia. As pessoas tinham a ideia de que o contentor era um buraco sem fundo e que as câmaras é que tinham a obrigação de acarretar com tudo, e que pagavam dois euros e pouco, nem sei se chega a três euros em algum município, e que isso dava para pagar tudo, mas não dá! O trabalho que nós fazemos aqui, ou seja, fazer o trabalho que as pessoas não fazem em casa tem um custo muito, muito, muito elevado! E vai ficar mais elevado ainda porque existem diretivas a nível regional e europeu para que esse custo vá aumentando… E também para conseguirmos pagar os nossos funcionários… Se as pessoas não fizerem o seu trabalho em casa, alguém vai ter que fazê-lo e isto tem um custo muito elevado e as pessoas não estão dispostas a pagar por este preço. Há agricultores que acham que os resíduos que produzem no âmbito da sua atividade profissional são só resíduos sólidos e urbanos. Só são resíduos sólidos e urbanos aqueles que nós produzimos em casa… Um plástico agrícola, nós não produzimos em casa; resíduos de construção e demolição, nós não produzimos em casa. Esses são resíduos considerados industriais e quem os produz é que tem responsabilidade de tomar conta deles e de encaminhá-los para os locais adequados….Não é os pondo num caixote de lixo! Além disso, os agricultores se vierem cá entregar os seus resíduos não pagam nada. Foi uma parceria que fizemos com a Associação de Agricultores para os sensibilizar para isso e para incentivar a recolha dos plásticos agrícolas, que é um problema da nossa ilha.

E.J. – Qual é o número atual de funcionários deste Centro?

Eng.ª J. S. – Somos muitos, pois existe muito trabalho… É preciso muita mão de obra! O ano passado, quando o Centro abriu, estava só eu e um funcionário do Parque, um vigilante. Depois, a meados do ano, já tínhamos 4 funcionários. Até 15 de fevereiro éramos 5 ou 6 e a partir dessa data fomos aumentando e atualmente somos 31 funcionários. Mesmo assim, considero que não somos suficientes, pois haveria trabalho se trabalhássemos das 08h00 às 08h00, mesmo assim trabalhamos das 08h00 às 00h00, de 2.ª a 6.ª feira e das 08h00 às 16h00 ao sábado! Temos sempre muito TRABALHO!

E.J. – Relativamente a dados apurados, achamos que seria interessante se pudesse nos facultar dados reais de quantidades de recolha seletiva e de lixo indiferenciado recolhido nos últimos meses em cada município. É possível?

Eng.ª J. S. – Claro que sim!

E.J. – Muito obrigada pela sua disponibilidade!

Dados cedidos pela RESIAÇORES

Até ao dia da reportagem, 24 de novembro, o CPR Pico recebeu 2567 toneladas de resíduos provenientes da recolha indiferenciada e 382 toneladas de resíduos provenientes da recolha seletiva. A recolha seletiva representa assim 13% do total de resíduos rececionados pelo CPR provenientes dos sistemas públicos de recolha de resíduos.

No total, em 2016, o CPR Pico recebeu 3271 ton de resíduos provenientes de Câmaras Municipais, Empresas, particulares, Juntas de Freguesia, etc.

residuos rececionados

 

quantidade de resíduos

 

Relativamente ao destino concedido aos resíduos rececionados no CPR Pico, cerca 22% do total de resíduos recebidos foram encaminhados para reciclagem, 37% para Valorização orgânica e 15% encontram-se em armazenamento temporário na instalação.

Luana Dias, Sofia Marcos e Érica Jorge