1. OS NÚMEROS
Meu querido mês de agosto em chamas podia ser o título de um documentário sobre um país que se debate ano após ano com o flagelo dos incêndios. Entre serpentinas, fogos-de-artifício, festas de santos, romarias e preces de emigrantes, reluzem os números de uma floresta dotada ao abandono. 2013 voltou a ser um ano negro, mas a longa-metragem dura à mais de cinquenta anos.
Nas décadas de 1950 e 1960, sob o mote salazarista do «tudo vai bem e não podia ser de outra maneira», ardiam, em média, 5 mil hectares por ano. Uma década depois, com a expansão da floresta e o abandono das aldeias, a média da área ardida duplicou. Os números continuaram a aumentar nos anos seguintes[i], 44 mil hectares em 1980, 137 mil hectares em 1990, 159 mil hectares em 2000. A primeira década do milénio agrava-se: 2005, o ano terribilis, regista 339 mil hectares de área ardida. O ano de 2013 regista melhorias, mas os 135 mil hectares de área florestal queimada, de acordo com relatório do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas,[ii] voltam a trazer Portugal para os priores números.
Guimarães não é exceção. Em 2005, arderam 1200 hectares. Oito anos depois, o número regride para 452 hectares. A análise comparativa é mais preocupante quando comparamos o número de incêndios. Em 1980, em Portugal continental registaram-se cerca de 2 mil incêndios. Em 2012, os números apontam para mais de 21 mil incêndios. Em Guimarães, os números disponíveis pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas centram-se apenas entre 2001-2012 e registam 977 incêndios. Se a grande maioria das ocorrências se encontra entre as 13h00 e as 19h00, cerca de 150 ocorrências situam-se entre as 22h00 e as 6h00. Incendiarismo? A resposta não é clara, tanto mais que, de acordo com a Autoridade Florestal Nacional, apenas 50% das causas dos incêndios são identificáveis. No entanto, o comandante dos bombeiros das Taipas em Guimarães, Hermenegildo de Abreu, é perentório: “o fogo durante a noite só pode ser provocado por mão humana”.
Se o número de área ardida representa um problema, a perda de vidas humanas não é menos preocupante. Segundo a Associação Nacional de Bombeiros Portugueses, desde 1980 morreram 220 bombeiros no combate aos incêndios. O último relatório sobre a morte de oito bombeiros em 2013, encomendado pelo Ministério da Administração Interna ao investigador Xavier Viegas, da Universidade de Coimbra, aponta “várias lacunas na formação dos bombeiros”. A ausência de “conhecimentos básicos sobre o comportamento do fogo”, a “anarquia” no combate aos incêndios e a falta de equipamento são algumas das críticas à ação dos bombeiros.
Além das perdas humanas, os estudos apontam ainda outras consequências causadas pelos incêndios. De acordo com António Loureiro e Joana Faria[iii], se estimarmos em 1600 euros por hectare queimado, a primeira década do século XXI aponta já para um prejuízo florestal na ordem dos 125 milhões de euros. Se aplicarmos estes números apenas para 2013 em Guimarães, as perdas ascendem aos 700 mil euros. Aos prejuízos económicos somam-se ainda os prejuízos ambientais. António Bento Gonçalves, investigador da Universidade do Minho, alerta para a “progressiva erosão dos solos e a perda de nutrientes minerais”.
2. AS ETERNAS CAUSAS
Duas da manhã. O cenário é fictício. Dois vultos vagueiam pela Serra da Penha em Guimarães. Ao fim de uns instantes, um pequeno altar é montado no chão. Um cartão como base, panos vermelhos e negros, caixas de fósforos, garrafas de álcool, uma vela e o sussurrar de uma reza. A descrição é de João Silva num estudo de 2001 em que aponta a bruxaria como uma das causas dos incêndios[iv]. Mas não é a única.
A norte do país, nomeadamente em Guimarães, o Investigador da Universidade do Minho, António Bento Gonçalves, considera que “as causas dos incêndios são, essencialmente, regionais”. “O pastoreio, a caça e a renovação das pastagens competem com o incendiarismo”. A esta pequena lista somam-se as queimadas de lixo e de limpeza de solos, o lançamento de foguetes, as fogueiras, os fumadores, as atividades de apicultura, as chaminés de habitação pessoal, os conflitos de caça, os atos de vingança e outras causas naturais. Segundo os dados disponibilizados pela Autoridade Florestal Nacional para o ano de 2011, 89% dos incêndios devem-se a comportamentos negligentes e 21% a incendiarismo intencional.
O vereador-adjunto do ambiente Amadeu Portilha considera que na zona de Guimarães a principal causa dos incêndios prende-se com “o abandono dos terrenos”. À semelhança do investigador da Universidade do Minho, Amadeu Portilha afirma que a especulação imobiliária deixou de ser uma causa dos incêndios. “Nos anos 80 e 90, assistimos a uma vaga de ataque a floresta. Hoje, é o abandono o nosso maior inimigo”. E o vereador-adjunto identifica as zonas com maiores riscos: montanha da Penha, Briteiros e São Torcato.
3. PREVENÇÃO À DERIVA. MIRONES À SOLTA
Estamos em Março. As chuvas são o tema do momento. Dona Maria começou a fazer as suas primeiras queimadas de inverno numa pequena propriedade em Caldelas, Guimarães. Todos os anos é assim. O peso dos seus 70 anos não a demovem. “Somos um povo insatisfeito. Em agosto pregamos contra o calor, no inverno contra a chuva”, diz enquanto nos mostra os terrenos dos vizinhos que emigraram. O mato invade a paisagem e os eucaliptos parecem ser uma árvore autóctone. Prevenção?
Numa análise do combate aos incêndios na zona do Mediterrâneo, Vélez (2006) conclui que apenas ¼ do investimento está direcionado para a prevenção[v]. A outra fatia do investimento está direcionada para o combate. Em Guimarães, o vereador-adjunto do ambiente indica que a autarquia tem um investimento na ordem do meio milhão de euros para combate e prevenção. “O nosso investimento passa pelo apoio às Juntas de Freguesias, às associações florestais e, essencialmente, aos bombeiros, com o apoio de meios de combate”. O comandante dos bombeiros das Taipas felicita o apoio que a Câmara tem dado aos bombeiros e salienta que as eleições autárquicas de 2013 trouxeram outra sensibilidade para as questões da floresta. Na sua análise do comportamento da autarquia, António Bento Gonçalves dá nota positiva ao comportamento da Câmara, mas não deixa de apelar que é urgente uma maior atenção para o trabalho desenvolvido pela Universidade, em especial por parte dos meios de comunicação social. “Na Universidade do Minho, no Departamento de Geografia, temos desenvolvido vários colóquios com especialistas internacionais sobre esta matéria. A atenção dada pelos meios de comunicação social é próxima do zero. Penso que não seria o mesmo se estivéssemos perante um grande incêndio”.
O investigador alerta ainda para o caracter reativo das pessoas face aos incêndios. Uma opinião corroborada por Tiago Oliveira no relatório do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios de 2005[vi]. “Nas últimas décadas, as políticas de prevenção e de combate a incêndios foram marcadas por um carater reativo, com iniciativas legislativas avulsas, de enfoque operacional e de curto prazo, sem obedecerem a uma estratégia consistente. Raramente integradas com outras políticas públicas, as medidas empreendidas reforçaram sucessivamente a capacidade de supressão, através da mecanização do combate, em detrimento da resolução das causas estruturais já identificadas.”
Apesar de Guimarães possuir um plano de prevenção e combate contra os incêndios, o vereador adjunto do ambiente de Guimarães reconhece que o “concelho está no topo das zonas com elevados riscos de incêndio”. Se a prevenção contra os incêndios passa por uma mudança de comportamento, o comandante dos bombeiros das Taipas não tem dúvidas que é “urgente uma maior fiscalização a nível nacional”. O comandante alerta que a altura ideal para a prevenção é a altura do inverno. Depois desse período, “é necessário ter em conta as condições climatéricas e físicas quando se pretende fazer uma queimada. Em caso de dúvida, o preferível é contactar os bombeiros ou os gabinetes técnicos das Câmaras Municipais.” Hermenegildo de Abreu sublinha que se a prevenção falha, o trabalho de combate torna-se ainda mais difícil. “Essencialmente, o relevo, as condições meteorológicas e o combustível florestal são as nossas maiores dificuldades no combate aos incêndios. O comandante, a liderar uma equipa com cem bombeiros, ironiza ainda com típico “mirone” português. “Por vezes, quando estamos num incêndio temos que tomar conta do incêndio e das pessoas que estão a assistir”.
[i] Fonte: http://www.pordata.pt/Portugal/Incendios+florestais+e+area+ardida+%20+Continente-1192 (Consultado em 26/03/2014).
[ii] Fonte: http://www.icnf.pt/portal/florestas/dfci/relat/rel-if/resource/fich/2013/relIF15set13 (Consultado em 27/03/2014).
[iii] Fonte: http://www.anefa.pt/pdf/revista_9.pdf (consultado em 28/03/2014).
[iv] Silva, J. (2001). Incêndios Florestais – Incendiarismo. Coimbra: Instituto de Estudos de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
[v] Vélez, R (2006). “A defesa contra incêndios florestais: estratégias, recursos, organização” in Pereira, J.S., Pereira, J.M.C., rego, F.C., Silva, J., Silva, T., Coord. Incêndios Florestais em Portugal: Caracterização, Impactes e prevenção. Lisboa: ISAPress.
[vi] PNDFCI (2005). Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Proposta Técnica. Lisboa: Instituto Superior de Agronomia.
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