À descoberta da maior lagoa da costa portuguesa

Esta reportagem baseia-se numa entrevista a Miguel Castro, que estudou Biologia Marinha, trabalhou em investigação científica, microbiologia e oceanografia geológica. Para além disso, tem uma empresa de animação turística de componente histórica, ambiental e científica, na Lagoa de Óbidos, chamada Intertidal.

Nascida há cerca de 5000 anos, a Lagoa de Óbidos situa-se na região oeste entre São Martinho do Porto e o Cabo Carvoeiro. Inclui os concelhos de Caldas da Rainha, a norte, e de Óbidos, a sul.

Uma das características que equilibram este sistema lagunar é o facto de ser sustentado por duas fontes: uma de água salgada proveniente da “aberta” (ligação da lagoa com o mar) e outra de água  doce vinda da sua bacia de drenagem.

 

 

 

 

A Lagoa de Óbidos constitui, assim , um lugar rico em biodiversidade, sendo de grande interesse lúdico, histórico-cultural, ambiental, económico, social e científico.

Atividades na Lagoa

Para além da sua beleza, a Lagoa de Óbidos possui outros aspetos que atraem os que a visitam.

A Lagoa de Óbidos é uma zona com atividades para todos os gostos. Para os mais ativos, não faltam opções, desde uma corrida pela margem da Lagoa até aos desportos mais radicais como esqui aquático, jet-ski, canoagem, kiteboard, vela, windsurf, entre outros.

Para os amantes de aves, existem dois pontos diferentes para a observação das variadas espécies que aqui existem: a torre de observação situada perto da foz do Rio Real e a situada junto à foz do Rio da Cal. Além disto, existem também vários trilhos, percursos e passeios de barco onde é possível a observação de outras espécies de fauna e flora.

 Flora

A Lagoa de Óbidos constitui um ecossistema de vasta biodiversidade, nela conseguimos encontrar uma enorme variedade de flora como: Typha latifolia, Ranunculus peltatus, Cheirolophus uliginosus, Erica ciliaris, Gaudinia fragilis, entre muitas outras. Toda a flora existente na Lagoa ajuda na constituição de diferentes habitats para várias espécies.

Fauna

A fauna da Lagoa de Óbidos é, por um lado, constituída por espécies piscícolas como o robalo, o linguado, a solha, o rodovalho, e outros, e ainda por espécies como a amêijoa, o berbigão, o mexilhão, o camarão, o polvo, a enguia, etc. Por isso, a pesca e sobretudo a apanha de bivalves estabelecem um grande papel na economia da população local. No entanto, quem visitou a Lagoa durante o verão pode já ter reparado em sinais de proibição da apanha de bivalves. Estes, segundo Miguel Castro, devem-se apenas ao “ciclo natural das coisas”, uma vez que, nesta altura do ano, as microalgas de que os bivalves se alimentam libertam toxinas que se vão acumulando nos bivalves e que ao ingerirmos são prejudiciais.

Por outro lado, a Lagoa de Óbidos abrange uma elevada variedade de espécies de aves. Desde aves aquáticas (como o mergulhão-pequeno e o pato-real) a aves terrestres e passeriformes (como o peneireiro-cinzento e a laverca, respetivamente) a até aves migratórias, entre elas, o maçarico-galego e o mais popular: o flamingo.

De acordo com Miguel Castro, o fenómeno dos flamingos é “relativamente recente”. Há cerca de 20 anos, grupos pequenos de flamingos vindos de uma colónia maior do estuário do Tejo começaram a vir para a Lagoa de Óbidos, inicialmente só passar o verão. Quando o alimento era escasso no estuário do Tejo, os grupos de flamingos dispersaram-se até que um pequeno grupo chegou a esta Lagoa e cá ficou durante o verão. O pequeno grupo de indivíduos foi gradualmente aumentando, chegando atualmente às centenas que, no inverno (perto de novembro), regressam ao estuário do Tejo. No entanto, o ano passado, cerca de 12 flamingos provenientes do Norte de África, que foram subindo pelos estuários da costa espanhola e portuguesa até chegar à Lagoa de Óbidos, acabaram por ficar lá o ano inteiro. “Isto é bom porque aumenta a diversidade da Lagoa de Óbidos, mas é mau porque significa que estamos a ficar com um clima mais parecido com o norte de África, ou seja, isto é uma prova das mudanças climáticas.”, comenta Miguel.

Impacto das alterações climáticas

Um dos aspetos onde é evidenciado o impacto das alterações climáticas na Lagoa de Óbidos é precisamente a situação dos flamingos. Em anos anteriores, as temperaturas não permitiam que os flamingos passassem o ano inteiro na Lagoa, o que agora acontece devido às alterações climáticas. O que significa que este clima está cada vez mais parecido com o do Norte de África.

Outro aspeto onde é possível evidenciar a mudança de clima é nas espécies que atualmente não são abundantes na Lagoa mas que já foram e aquelas que nunca foram abundantes, mas agora são. Alguns exemplos de espécies que foram desaparecendo são a amêijoa-branca (Spisula solida) e as solhas. Já os pé-de-burro (Venus verrucosa) e os cavalo-marinhos (Hippocampus hippocampus) são exemplos de espécies que são uma novidade para o ecossistema.

 

Ameaças para a Lagoa

Atualmente as principais ameaças que afetam a Lagoa de Óbidos são as descargas ilegais de poluentes no rio Cal e a apanha excessiva de bivalves no verão.

Segundo Miguel, os responsáveis pela sistemática descarga de poluentes no rio Cal fá-lo “fora de horas” de forma que os serviços da SEPNA da GNR não estejam de serviço e os possam multar.

Outro aspeto que pode não parecer impactante, mas que, de facto, contribui para a diminuição do número de biodiversidade da Lagoa é a apanha lúdica de bivalves durante o verão. Nesta altura, existe maior tendência para a sua apanha, mas, uma vez que, as pessoas não respeitam os limites máximos de quantidade nem os limites mínimos de tamanho, os bivalves não são capazes de transmitir o seu património genético e, assim, “contribuir para a evolução da população”.

Preservação

Ao contrário do que a maioria das pessoas possa pensar, a Lagoa de Óbidos apresenta “um equilíbrio natural entre a ação antrópica (ação humana) e a capacidade de regeneração dos ecossistemas” diz Miguel.

Ou seja, desde que o tratamento das águas seja eficiente, apenas é necessário fazer um controlo dos poluentes descarregados e sensibilizar os visitantes quanto aos limites de apanha de bivalves para que exista a conservação deste ecossistema.

Madalena Pinto Silva, Rita Maldonado Freitas Batalha Reis