A freguesia de Vila Nova de Milfontes é denominada de norte a sul do país como a “Princesa do Alentejo”. Uma designação que, entre muitos fatores, lhe é atribuída por ser uma vila banhada pelo rio Mira. Uma terra de pescadores, que há muito estão habituados a ver o sol nascer e no final do dia, desejar regressar com o sentimento de dever cumprido.
António Domingues é um destes homens que escolheu o mar como “ganha pão” e que atualmente, aos 85 anos de idade, escolhe o rio como local de descontração e passatempo. Natural de Lisboa e proveniente de uma família de comerciantes, trocou a vida de trabalho na Docapesca de Pedrouços, pelo seu barco, a sua cana de pesca e os encontros com a lota. Naquele tempo, entendeu que “estava ali uma fonte de rendimento”.
Ao fim de 12 anos de conhecimento por esta arte de marear, afirma ser fulcral distinguir várias fases na pesca do povo. A pesca artesanal usualmente abordada, corresponde à pesca desportiva, mais associada ao pescador reformado. Um tipo de pesca em que não é permitido capturar peixe para vender na lota, ainda que seja possível para consumo próprio. Por outro lado, a pesca artesanal no seu sentido lato está relacionada com a pesca profissional.
Para António Domingues, a pesca já foi realmente do povo, mas agora pertence mais ao poderio incontrolável das grandes embarcações, geradoras de lucro e com capacidade de captura de milhares de espécies que não conseguem desviar as sondas da sua mira. Os peixes terminam por ser vendidos na lota a um preço mínimo, não tendo na maior parte dos casos, valor para o comércio, o que obriga a sua devolução ao mar. O pescador conta que estas são situações rotineiras e por isso, defende uma pesca mais regularizada, na qual não deva ser permitido apanhar determinadas quantidades de peixe com o auxílio de algumas artes que já tinham de ter sido proibidas.
No que respeita ao cuidado com o rio Mira, relata que em geral é notável um bom uso deste. O que condena é a pouca vigilância perante as vacarias e os locais de criação de porcos, onde existe um abuso e descuido em lançar-se ao rio certos objetos e líquidos, como óleos e gorduras. Apesar das autoridades já estarem a averiguar a situação, o pescador afirma que “raras vezes se vê, mas há alturas em que pisam o risco”.
As más práticas prolongam-se também por algumas ocasiões em que António afirma já ter presenciado outros pescadores da região lançarem ao rio o “cale”, assim como, aplicarem redes idênticas às mosquiteiras, proibidas por lei e que normalmente são usadas para capturar enguias denominadas por “meixão”. Uma espécie sem autorização de captura desde o ano 2000 em todos os rios portugueses, à exceção do Minho.
Por esta zona, existem as culturas hortícolas, o que instiga ao uso de adubos em grandes quantidades, um dos tantos fatores que de acordo com António Domingues, contribuem para que o rio esteja menos limpo. Tal situação se verifica, com a diminuição do número de algas, um alimento cada vez mais escasso no seio marinho.
Em relação à autarquia e à intervenção dos órgãos locais, considera haver um certo desleixo e consentimento perante estes descuidos humanos para com o Rio Mira.
Ao longo destes 85 anos, observa a pesca com algum carinho e afirma não encontrar muitos males na pesca desportiva. No entanto, não acredita que se destrua o habitat das espécies por se pescar com uma cana na mão. Como sempre, a ganância humana desrespeita a sobrevivência das espécies. Recorda os países que, por vezes, são denominados por selvagens por não atingirem um certo grau de desenvolvimento. Mas considera que são estes os que respeitam a 100% a natureza, poupando-a e apoiando-a.
Para o pescador, ainda existe futuro para este ofício, mas depende muito de se incentivarem os pescadores a não desistir, essencialmente, por todas as despesas, os gastos no combustível, os impostos e o peixe que também já não é muito.
De acordo com a perspetiva de Mário Nunes, pescador experiente, proprietário de uma das lojas de artigos de pesca e ainda Secretário da Junta de Freguesia de Vila Nova de Milfontes, as condições mostram-se precárias aos pescadores e alguns dos defesos implementados, dificultam a atividade. No seu entendimento, «há certas espécies em que faz sentido o defeso, mas há outras espécies em que não faz». Defende que não se pode apenas considerar a teoria, pois tem de existir um conhecimento real do terreno.
Enquanto autarca, em nome da Junta de Freguesia, refere que o que pretendem é melhorar as condições do futuro, tendo em conta as próximas gerações. Desta forma, uma das suas intervenções mais recentes teve lugar no «Canal», um dos espaços mais frequentados pelos pescadores da região. Proporcionou-se mais arrumos para as suas artes, tornado estes espaços mais limpos e com possibilidade de iluminação. Realça ainda que, estão a fazer-se esforços para manter esta atividade possível, mas que a Junta de Freguesia, não pode ser a única a refletir sobre a preservação da natureza. Existem outros organismos responsáveis como a Orla Marítima e o Parque Natural.
Na opinião de Mário Nunes, devia haver o defeso do polvo no rio Mira. Por norma, no mês de janeiro, inicia-se a desova desta espécie. E a realidade é que os pescadores apanham o polvo na altura em que acabou de desovar. Os pescadores não estão a permitir a reprodução e estão a prejudicar-se a eles próprios. Assim sendo, se o polvo desova num certo período, nessa mesma altura não devia ser permitida a sua captura.
Ambos acreditam nesta profissão e têm conhecimento que significa para muitas pessoas um momento de lazer e de paz. António Domingues afirma que vai continuar a “ir brincando”, porque a pesca o faz sentir mais novo, porém, Mário Nunes continuará na autarquia a tentar zelar pelos interesses dos pescadores e da freguesia que representa.
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