Estima-se que mais de 57 mil residentes em Lisboa são afetados pelo ruído, um número que tem vindo a aumentar. Estes dados são da associação ambientalista ZERO que tem feito medições nas periferias do aeroporto, com o objetivo de alertar e sensibilizar os cidadãos e as autoridades para o ruído e o impacto na saúde da população, referindo que a lei do ruído é ignorada.
Os aeroportos, apesar de indispensáveis num mundo altamente globalizado, são focos de poluição sonora para toda a área circundante, não só pelo ruído dos aviões, mas pelo tráfego adjacente. Ao longo do tempo, este ruído constante pode causar problemas de saúde na população, nomeadamente distúrbios do sono, aumento do risco de doença cardiovascular, redução da capacidade de aprendizagem das crianças, entre outros. É importante que sejam feitas medições frequentes nessas áreas, de modo a avaliar os níveis e, consequentemente adotar medidas para diminuir os riscos.
Em Lisboa, a ANA é a entidade responsável por essas medições e pelo cumprimento dos valores medidos, dentro dos parâmetros da legislação, que estipula que o limite máximo de ruído durante o período diurno (Lden: 07h-23h) é de 65 dB(A), e de 55dB(A) no período noturno (Ln: 23h-07h) nas zonas mistas. Valores acima dos aconselhados pela OMS que recomenda que o ruído constante se mantenha abaixo dos 30 decibéis e os ruídos pontuais não excedam 40 decibéis durante a noite. Estando o aeroporto inserido num denso meio urbano,é de grande importância que se realizem medições transparentes, para o bem de toda a população. É o que a ZERO tem feito com frequência.
Foi realizado um estudo durante dois dias em 2019 na zona do Campo Grande, que revela que em vez dos 55 decibéis de ruído máximo legal durante o período noturno, foi registado um valor médio de 66,5 decibéis, “representado em escala logarítmica quatro vezes mais que o permitido legalmente”.
De modo a entender um pouco mais acerca desta temática, que representa um problema de saúde pública, colocámos algumas questões ao Presidente da associação ambientalista ZERO, Professor Francisco Ferreira:
JRA ESTeSL – O aumento do ruído durante a noite deve-se ao facto de haver aviões de modelos mais antigos (que possam fazer mais barulho), ou é mesmo devido ao grande número de aviões em voo no mesmo espaço?
Os aviões mais antigos que possam fazer mais barulho estão proibidos de circular nesse período, pelo que, tem mesmo a ver com a quantidade de voos. A lei limita um total de 26 movimentos diários, não excedendo os 91 semanais, porém há uma data de exceções que não entram para esta contagem, mas que na realidade existem e fazem diferença.
– As medições de ruído são feitas com que frequência? Os seus dados são apenas arquivados, ou são tidos em conta para aplicação de medidas de correção.
A ANA dispõe de sonómetros que fazem essas medições constantemente, no entanto, os seus resultados não são tornados públicos, pelo que não é possível tê-los em conta. A ZERO faz medições avulsas, com alguma frequência, e apresenta os seus resultados publicamente para que sejam tomadas medidas. A ANA apresenta de 5 em 5 anos um Plano de Ação que visa a adoção de medidas para diminuição dos níveis registados, contudo esses planos têm sido chumbados consecutivamente pela APA.
– Visto que efetivamente há um alto nível de ruído, existe algum tipo de medidas a ser estudadas para a diminuição desse ruído? Nomeadamente a redução do número de voos noturnos, por exemplo, e caso seja afirmativo, será viável essa redução tendo em conta o fluxo de passageiros que atualmente Portugal apresenta por ser um país com o turismo em alta?
A medida mais eficaz é sem dúvida a redução do número de voos, que é possível e que já se evidenciou quando o aeroporto esteva para obras e com zero voos durante a madrugada, é, portanto, possível ajustar os horários e a quantidade destes, pelo menos em meses com menos fluência turística. Com o fluxo de passageiros e mercadorias que Portugal regista, de facto torna-se complicado uma redução eficaz e viável, mas há outras medidas, tais como: a utilização de aviões maiores, que transportem mais pessoas; e a construção de aeroporto novo, numa zona em que não prejudique a população, e não o alargamento do atual, que só irá agravar o problema.
– Com a situação atual de fronteiras aéreas interditas devido à pandemia Covid-19, evidenciou-se uma redução significativa do número de aviões em circulação, o que diminuiu também os níveis de ruído. Qual é a percentagem desta redução a nível de número de voos?
Nos dias que correm, com Estado de Emergência Nacional decretado, o aeroporto regista uma quebra de pelo menos 95% nos voos de passageiros, uma situação que a ZERO pretende analisar, irá realizar nos próximos dias as medições de decibéis em período diurno e noturno, de modo a poder comparar esses níveis.
É de carácter urgente a redução dos níveis de ruído em toda a área afetada, enumeradas no Mapa Estratégico do Ruído (Municípios de Lisboa, Almada, Oeiras), pois é um problema de saúde pública que por não ter efeitos imediatos e visíveis, acaba por ser ignorado de forma negligente. A situação arrasta-se há vários anos, com a legislação a não ser cumprida por parte das entidades responsáveis.
É importante referir que na envolvência directa do aeroporto Humberto Delgado está inserido o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, Hospital Júlio de Matos, igrejas como a dos Olivais e a de São João de Brito, complexos desportivos, escolas como a Padre António Vieira, universidades como a Lusófona de Humanidades e Tecnologias para além de toda a zona residencial do Campo Grande, Alvalade, Olivais, e ainda incluindo outras áreas envolventes. Doentes do foro psíquico, estudantes, moradores, crianças e trabalhadores sujeitos ao ruído constante, esta situação arrasta-se há tantos anos, que já nem têm perceção desse ruído. Isto evidencia que é um problema invisível, pouco percetível e que está profundamente enraizado, o que é completamente inaceitável para a saúde da população.
Esta situação requer uma avaliação mais séria por parte das entidades responsáveis e do próprio Governo, é urgente a sua resolução, e é preciso fazer uma escolha: por um lado, o turismo e a economia, por outro, o benefício da saúde pública, ou seja, manter os valores registados até aqui, ou apostar numa redução do número de voos e tentar atingir os níveis recomendados pela OMS. Existe, portanto, uma necessidade de escolha em que a saúde da população tem de ser uma prioridade, SEMPRE.
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