Anilhar para Preservar

A primeira anilhagem de aves terá sido realizada na Europa no séc. XVIII e pretendia saber para onde iam as andorinhas durante o Inverno, sendo atualmente praticada em todos os continentes. Em Portugal, a prática da anilhagem começou nos finais do século XIX. A iniciativa ficou a dever-se a William C. Tait, um comerciante britânico residente na cidade do Porto, grande apaixonado pela caça e pela observação das aves.

Inaugurou-se, no passado dia 30 de novembro, na freguesia de Fradelos (concelho de Vila Nova de Famalicão), a Estação de Esforço Constante de Anilhagem Científica das Pateiras do Ave.

O dia começou bem cedo para o anilhador Thjis Valkenburg que, durante a madrugada, enquanto as aves repousavam nas árvores, já instalava as redes que as iriam reter quando iniciassem o seu voo. Utilizou redes verticais, também designadas de redes de nevoeiro, destinadas a aves de pequeno porte, pois “diferentes espécies requerem diferentes maneiras de as capturar conforme o seu tamanho…”, explicou Thjis.

Preparou-se, então, a mesa de anilhagem, laboratório ao ar livre, onde se organizaram todos os equipamentos indispensáveis à identificação das aves, como alicates, anilhas, guias de identificação de aves, réguas, balança e os sacos para as recolher, tudo em conformidade com os protocolos e regulamentos rígidos impostos pelas identidades reguladoras desta atividade, como a Central Nacional de Anilhagem e a EURING – União Europeia, para a Anilhagem de Aves.

Mesa de Anilhagem e colaboração na recolha de dados pela Mariana Sousa. Fotografia cedida por Érica Pedrosa.

Quando surgiram as primeiras aves capturadas nas redes, foram retiradas com todos os cuidados. Thijs refere que “… há uma certa maneira de manusear as aves”, exemplificando-a e acrescentou que “… este processo desenvolve stress nos animais e que por isso, deve ser feito o mais rápido possível…”. Posteriormente, colocou as aves num saco próprio para salvaguardar a sua integridade física e levou-as para a mesa de anilhagem.

Após a rápida identificação da espécie pelo anilhador (é de realçar que a sua vasta experiência permitiu que não precisasse de recorrer aos guias), os animais foram sujeitos a uma série de medições, como peso, massa muscular, massa gorda e comprimento da asa. Para avaliar o sexo e a idade foi necessário observar o padrão das penas, a sua forma, ou então a forma do bico, conforme a espécie em estudo. Numa das patas, Thjis colocou uma anilha metálica que não compromete o seu voo. O anilhador explica que “… a anilhagem permite marcar cada ave individualmente, pois cada anilha possui um código, distinguindo-a de todas as outras.”

Ave capturada nas redes. Fotografia cedida pela professora Maria José Sá.

Como exemplifica Valkenburg, “…se anilharmos aqui uma Felosa e, se daqui uns meses for recapturada no norte da Europa, temos a informação dessa viagem, o que permite ter uma noção das rotas de migração e da idade dos indivíduos.” Esta anilha permitirá saber por onde a ave passou, sendo assim possível delinear o seu trajeto.” Finalmente, devolveu-se a ave à natureza. A primeira ave anilhada na Estação de Esforço Constante de Anilhagem Científica das Pateiras do Ave foi um Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula) que, de forma simbólica, foi libertada pelo Dr. Pedro Sena, vereador do pelouro do Ambiente e Saúde Pública do município de Vila Nova de Famalicão, que assistiu de perto aos trabalhos.

Todos estes procedimentos devem ser efetuados por um anilhador profissional, credenciado pelo CEMPA – Centro de Estudos de Migrações e Proteção de Aves, instituição que acumula as funções de “promover, apoiar e desenvolver estudos técnico-científicos e programas de monitorização da avifauna nacional e dos seus habitats e fornecer suporte técnico para a tomada de decisão no âmbito da política de Conservação da Natureza”, como se pode ler na sua página da internet.

Sob o olhar atento da equipa JRA, o anilhador Thjis Valkenburg coloca a anilha na pata da ave. Fotografia cedida por Érica Pedrosa.

Durante a primeira sessão de anilhagem, mesmo sendo uma sessão experimental para o estudo de metodologias a implementar futuramente, foi possível anilhar 32 aves de 11 espécies diferentes. Anilharam-se, ainda, mais quatro Piscos-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula); um Gaio (Garrulus glandarius); três Chapins-carvoeiros (Periparus ater); um Chapim-real (Parus major); sete Felosinhas-comuns (Phylloscopus collybita); três Toutinegras-de-barrete (Sylvia atricapilla); três Toutinegras-de-cabeça-preta (Sylvia melanocephala); duas Carriças (Troglodytes troglodytes); três Melros (Turdus merula); três Ferreirinhas (Prunella modularis) e dois Tentilhões (Fringilla coelebs).

Todos os dados recolhidos serão, posteriormente, enviados para a Central Nacional de Anilhagem e inseridos na plataforma e-Bird, a maior comunidade de observação de aves do mundo, que contribui para a ciência e conservação de espécies.

As sessões de anilhagem repetem-se mensalmente e permitirão também recapturar aves já anilhadas e comparar dados. Por outro lado, na Estação de Anilhagem também se formam novos anilhadores. Thjis, o anilhador/formador de serviço explica que “… para alguém se tornar anilhador precisa aprender com um anilhador certificado até ter uma credencial de aprendiz…” e ”… para obter essa credencial, é necessário anilhar pelo menos 2000 aves de 50 espécies diferentes!”.

Libertação de uma ave após anilhagem. Fotografia cedida por Isabel Carneiro.

Em busca de alimento e abrigo, muitas espécies de aves migram da Europa do Norte, quando o inverno chega, para lugares mais quentes no Norte de África. A intensa alteração das paisagens, provocada pela atividade antrópica, exige a identificação e preservação de condições propícias aos fluxos migratórios, em locais por onde os animais se possam movimentar de forma segura. Estes podem ser rios, linhas de costa, cadeias montanhosas, etc., e recebem o nome de “corredores ecológicos”. Como explica o ecólogo Vasco Flores Cruz, responsável pela Estação de Anilhagem,”… em Fradelos (no concelho de Vila Nova de Famalicão), cruzam-se dois corredores ecológicos: uma linha de montanhas com orientação norte-sul, paralela à costa, e o rio Ave com orientação este-oeste”, justificando-se assim a grande diversidade de aves e a instalação da Estação de Esforço Constante de Anilhagem Científica nesta localidade.

Webgrafia:

  1. https://ebird.org/portugal/home
  2. http://www2.icnf.pt/portal/pn/biodiversidade/ei/cempa/cempa-inicio
  3. https://www.facebook.com/Pateiras-do-Ave-Paisagem-Protegida-Local-100166754778047/?epa=SEARCH_BOX
  4. http://www2.icnf.pt/portal/pn/biodiversidade/ei/resource/doc/cempa/manual-anilh/man-anilh-anilhagem-cientifica

Bruna Faria, Maria Inês Faria, Mariana Sousa, Tiago Marques