“Sempre que podemos, temos chamado a atenção do poder central para que tomem medidas. O aterro não respeita as normas legalmente estabelecidas de distância com a população”, explica a porta-voz da associação ambientalista, Marisol Marques.
A responsável garante que a população da freguesia de Sobrado vai “continuar a estar de luto” porque não tem sido ouvida pelo executivo. “O senhor Ministro do Ambiente tem feito «ouvidos de mercador»”, acrescenta.
A associação, que garante ser a “voz e o rosto” da população local, tem vários relatos de pragas de insetos. Recentemente, dois bebés foram picados e tiveram de recorrer ao hospital. “É um atentado à saúde pública, ao ambiente e aos direitos humanos”, comenta Marisol Marques.
“O facto de estarmos à beira do aterro não causa só um problema, mas vários: desde gaivotas que se banqueteiam nos resíduos e depois vêm para as nossas águas e para os nossos legumes, à possibilidade da contaminação dos lençóis freáticos e aos cheiros intensos”, alerta a ambientalista.
O Negócio do Lixo
O tratamento de resíduos é um negócio mundial, onde os importadores são os que geram lucro. A ideia de que exportar lixo reduz custos, retira responsabilidade e favorece o cumprimento de metas europeias quanto à pegada ambiental de cada país.
Em 2019, o valor por metro cúbico de resíduos, para depósito no aterro de Sobrado, era de 9,90 euros. Marisol Marques relata que, recentemente, a taxa de importação de resíduos passou para 22 euros. “Não é o ideal e era preferível que fosse muita mais alta”, explica e lembra que o valor médio europeu é entre os 80 e os 100 euros.
É esta a razão pela qual a exportação de resíduos para países com taxas de tratamento mais baixas, tal como Portugal, se torna apetecível e rentável.
A empresa que gere o aterro de Sobrado é a Recivalongo, que viu serem renovadas as licenças após consulta pública, mesmo sob contestação da própria Câmara Municipal.
A Resistência
Marisol Marques é residente em Sobrado e confessa que já ponderou sair da casa onde vive: “há um dia em que se torna insuportável e então pensamos, ou vendemos o que temos, vamos embora e abandonamos as nossas raízes, a nossa casa, as nossas gentes, ou então fazemos alguma coisa para lutar contra este flagelo”.
A ambientalista acabou por decidir criar o movimento “cívico e apartidário”, que nas redes sociais se chama “Unidos pelo Fim do Aterro no Concelho de Valongo”. “A população decidiu resistir e organizar-se para defender o que lhes é de direito”, acrescenta.
As reivindicações têm o apoio do poder local, de acordo com Marisol Marques: “Reunimos com a autarquia e temos feito uma parceria, que é única a nível nacional. A Câmara Municipal tem estado do nosso lado, num apoio a 100% e numa transparência que é salutar”.
Já em relação ao governo a opinião da porta-voz da associação não é a mesma: “O nosso problema não foi tido em consideração, nós pedimos reuniões ao senhor Ministro do Ambiente, pedimos que visitasse o aterro, mas o que é certo é que de nada adiantou. Foi feita uma operação de cosmética e, como diz o povo, é «tapar o sol com a peneira»”.
Aos governantes a população de Sobrado pede que “façam o que se espera deles e aquilo para que foram eleitos”. “É desumano deixar as pessoas de Sobrado viverem paredes meias com um aterro, deixarem as nossas crianças e as pessoas ficarem doentes”, conclui Marisol Marques.
O relato da ambientalista vai mais longe: “Viver perto de um aterro é algo que não passa, nem me passava, pela cabeça”.
O Mal Necessário
O aterro de Valongo recebe lixo de todo o país, mas é também um dos 11 locais em Portugal que estão licenciados pelo governo para receber e tratar resíduos do estrangeiro.
A porta-voz da associação ambientalista lança um repto a todos os portugueses: “Temos que despertar e acordar porque pode não existir amanhã”.
Em 2019, o Instituto Nacional de Estatística calculou que cada habitante produziu 1,4 quilogramas de lixo por dia. O que não for tratado vai parar a aterros.
Portugal tem de reduzir 65% dos resíduos produzidos até 2020, mas os dados do ano passado não apontam nesse sentido. O relatório de 2019 mostra que houve um acréscimo de 3%, face a 2017, da deposição de resíduos urbanos em aterros.
Fontes:
Entrevistada: Marisol Marques, porta-voz da associação ambientalista “Jornada Principal”
Público, (21/12/2019). Portugueses produzem uma média de 508 quilogramas de lixo por ano. [Acedido em 20/03/2020]. Disponível em:
Eurosat, (11/12/2019). Estatísticas sobre resíduos. [Acedido em 15/03/2020]. Disponível em:
https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Waste_statistics/pt
Público, (21/12/2019). Empresa Recivalongo reavaliada na segunda-feira após processos de contraordenação.
[Acedido em 20/03/2020]. Disponível em:
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