Da Pele ao Planeta: como os nossos produtos cosméticos afetam organismos marinhos

Alguma parte da população ainda desconhece o facto de diariamente consumirmos microplásticos, partículas extremamente pequenas e perigosas. O que são elas? Onde se encontram? De que maneira as ingerimos? Como nos afeta a nós e ao nosso ecossistema? Neste artigo irei abordar estas questões e algumas mais.

Os microplásticos

Atualmente a poluição causada pelos plásticos é de extrema preocupação e afeta negativamente todos os nossos ecossistemas.

Não há muito tempo que a palavra microplásticos começou a ser introduzida na nossa sociedade e tornou-se rapidamente uma das novas preocupações a nível global devido à sua influência na poluição marinha.

Plásticos que não são reciclados propriamente ou simplesmente, jogados no mar, acabam-se por degradar em pedaços menores, ao longo do tempo. Esses pedaços recebem o nome de Microplásticos por terem tamanhos inferiores a 5mm. Contudo, estas partículas não são solúveis em água nem biodegradáveis.

Grande percentagem dos Microplásticos não é formada intensionalmente, como acontece quando grandes peças de plástico, como por exemplo, pneus de carros ou têxteis sintetizados começam a degradar-se.

Porém, é possível produzir Microplásticos diretamente para uso industrial, para serem adicionados intencionalmente nos produtos, como é o caso da cosmética. De acordo com a Plastic Soup Foundation, os microplásticos podem ser encontrados em cerca de 87% dos produtos das marcas mais conhecidas mundialmente, incluindo marcas de champôs, exfoliantes faciais e maquilhagem.

imagem 1- Diversos produtos de cosméticas

Mas então, porque que razão usaríamos microplásticos nos cosméticos para a nossa pele? Simples! São uma maneira muito económica, para além das alternativas naturais e biodegradáveis, de produzir vários efeitos, como matificar (deixar a pele sem brilho excessivo) e suavizar a nossa pele, ocultar rugas, fazer com que o produto dure mais tempo e permitir ainda o ajuste na textura das fórmulas dos produtos, quando necessário.

Metade dos produtos que usamos lavamos com água, e os microplásticos presentes neles entram no ciclo da água. Devido ao tamanho tão reduzido das partículas, as estações de tratamento das águas residuais não conseguem eliminá-las por completo e as que escapam, acabam por parar no oceano.

No ambiente aquático, estes microplásticos tem uma influência muito negativa. Eles contribuem para o desgaste continuo das espécies que lá vivem, porque podem ser ingeridos por muitos organismos, muitas vezes na base das cadeias tróficas.

Os microplásticos têm um tamanho muito parecido ao alimento natural de várias espécies de vertebrados, zooplâncton (organismos aquáticos que não têm capacidade fotossintética e que vivem dispersos na coluna de água), vermes e mexilhões. Como consequência, estas espécies podem ingerir este plástico diretamente, por absorção dérmica (onde as substâncias podem entrar no corpo pela pele) ou mesmo pelas guelras. Além disso, as partículas podem ficar presas no estômago dos organismos que os ingerem, transferindo assim os microplásticos para cadeias tróficas mais elevadas.

Uma das ameaças relacionadas ao consumo e exposição destas partículas, é o desregulamento endócrino dos organismos, que é quando o sistema hormonal dos animais é afetado. Outro problema dos microplásticos é que estes atuam como imãs para diversas toxinas presentes na coluna de água. Por serem altamente reativas, as partículas têm a capacidade de absorver substâncias químicas como metais pesados, que são tóxicos. Animais marinhos que ingiram estas toxinas, passam-nas na cadeia trófica o que causa muitos problemas à fauna marinha e todos os seus predadores, como os humanos, por exemplo.

Quando nós consumimos um peixe ou marisco, estamos indiretamente a ingerir esses microplásticos. Segundo o artigo de Harvard “Microplastics Everywhere”, ainda não se sabe exatamente o efeito destas “micropartículas” no nosso organismo, porém desconfia-se que estes efeitos estão só numa fase inicial e que daqui para a frente, se tornaram um problema muito preocupante para nós. Porém, foram detetados microplásticos em todo o nosso corpo, incluindo o nosso sangue, saliva, fígado, rins e placenta. Teme-se que no futuro possa haver danos no ADN e na atividade genética, devido a este acúmulo de plástico dentro do nosso organismo.

imagem 2- Esquema do ciclo do Microplástico

Concluo reforçando que os microplásticos não só afetam o nosso planeta, como a nós também e que são partículas extremamente difíceis de remover do meio ambiente. Cerca de 8% dos microplásticos no mundo proveem da cosmética e apesar da evidência científica dos estragos que estes causam ao nosso ecossistema, ainda há um grande número de empresas que o usam apenas para aumentarem os seus lucros. Se todos nós fizermos a nossa parte e termos consciência que estas partículas existem e fazem parte do nosso dia a dia, podemos ter atenção nos produtos que escolhemos ter em casa para aplicarmos na nossa pele.

Bibliografia:

Sites Online:

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