O Montado, ecossistema único no mundo, é um dos mais valiosos exemplos do equilíbrio entre o Homem e a Natureza, de modo que a sua preservação é capital. O envelhecimento do ecossistema, a fraca renovação por parte dos proprietários, bem como a redução do uso da cortiça, a par com as pragas e doenças, o fogo e a erosão dos solos tem colocado a sua conservação em risco. Assim, é urgente a valorização e aproveitamento dos seus recursos, a fim de que a sua preservação seja possível.
Sendo considerado uma paisagem cultural, isto é, um sistema que resulta da ação humana pelo aproveitamento de recursos naturais (cortiça, bolota, culturas agrícolas e inúmeras outras espécies vegetais, como o alecrim e a alfazema), o Montado apresenta uma biodiversidade imensa, tanto a nível de fauna (que inclui espécies ameaçadas como o Lince Ibérico ou a Águia Imperial) como de flora (pode atingir um nível de 135 espécies vegetais/m2).
Dentro da flora, o sobreiro é uma das árvores mais emblemáticas do Montado. Para além de constituir uma barreira natural contra a desertificação, uma vez que combate a erosão do solo, retendo a humidade e protegendo-o do efeito do vento e do sol, é dele que se extrai a cortiça, ótimo isolador térmico e acústico, com longa durabilidade e amigo do ambiente, que é também utilizada para o fabrico de rolhas.
Esta valorização da cortiça tem vindo a garantir a conservação do montado. No entanto, com a gradual substituição das tradicionais rolhas de cortiça por rolhas de plástico (estima-se uma presença atual de 15 % destas rolhas no mercado), a cortiça existente será suficiente e até excedente em relação às necessidades, e o preço não será compensador para os produtores cuidarem do montado.
Assim, a preservação do sistema depende da sua viabilidade económica e da exploração sustentável dos seus recursos.
Nos últimos anos, tem sido muito utilizado um outro recurso do montado, a bolota. No passado, este fruto era utilizado exclusivamente na alimentação animal, mas o interesse crescente do homem no fruto dos sobreiros e das azinheiras, levou à sua utilização na alimentação humana. Neste momento, algumas empresas do ramo alimentar já produzem pastéis de nata de bolota, pão de rala, broas, tortas, bolachas, bolos, bombons e licores de bolota de azinheira.
Por outro lado, de acordo com uma notícia publicada no jornal O Público, em 23 de Março de 2015, “estudos mostram que aquela que no passado foi considerada o “alimento dos homens invencíveis” tem um enorme potencial: sem glúten, com alto poder antioxidante, uma gordura semelhante à do azeite e até compostos que podem ajudar ao combate de doenças como o cancro e o Alzheimer”.
É possível encontrar também na literatura, referências aos compostos fenólicos presentes na bolota, com especial enfoque no ácido gálico. (S. Rakic et al, 2009). Este ácido fenólico é conhecido pelas suas propriedades de inibição da atividade da tirosinase (enzima responsável pelo controlo da produção de melanina), apresentado assim, elevado potencial na prevenção da hiperpigmentação.
Ainda numa outra investigação, realizada pela Escola Superior de Biotecnologia (ESB) da Católica Porto, utilizando extratos de bolota de azinheira do montado alentejano, verificou-se a excelente ação antioxidante e antimicrobiana do fruto, o que o torna promissor para o “desenvolvimento de cosméticos com ação anti envelhecimento”.
Com base neste pressuposto e tendo em conta que “cerca de 55% das bolotas em Portugal, cuja produção se concentra no Norte e no Alentejo, está a ser desperdiçada” e que “Este desperdício pode corresponder (…) a cerca de 13,3 milhões de euros” (estudo desenvolvido por Miguel Sottomayor, docente da Católica Portuguese), torna-se necessário o desenvolvimento de novas estratégias para a utilização e valorização deste produto.
Neste sentido, procedemos a um trabalho de investigação, em colaboração com o ITQB (Instituto de Tecnologia Química e Biológica) e o IBET (Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica), que teve como principal objetivo explorar a bolota como fonte de compostos bioativos naturais para aplicação na cosmética, mais concretamente para a formulação de um creme (figura 1).
Para cumprir este objetivo uma amostragem de bolota proveniente do Montado de Lamarosa (concelho de Coruche) foi submetida a várias extrações (para extração dos polifenóis da bolota, incluindo o ácido gálico) com diversos solventes limpos (água, etanol e propilenoglicol) e após diversos testes (avaliámos a atividade antioxidante e a capacidade de inibição da tirosinase), o melhor extrato (propilenoglicol) foi incorporado num creme hidratante.
Os resultados obtidos (figuras 2 e 3) indicaram que o extrato desenvolvido com propilenoglicol foi o que apresentou maior potencial na aplicação cosmética devido à maior concentração em ácido gálico e compostos eficazes na inibição da tirosinase. Para além disso, este extrato apresentou elevada capacidade antioxidante, podendo, por isso, contribuir para o resgate de radicais livres e prevenir o envelhecimento.
Assim, esta investigação permitiu concluir que a bolota pode ser valorizada através da sua utilização na formulação de um novo cosmético com potencial efeito hidratante, ação anti envelhecimento e prevenção da hiperpigmentação (aparecimento de manchas) – figura 4.
Desta forma, aproveitando um recurso largamente desperdiçado, valoriza-se e rentabiliza-se economicamente os excedentes deste fruto produzidos no Montado. Esta valorização económica da bolota torna possível, rentável e sustentável a preservação do ecossistema por parte dos proprietários, de modo que este deixe de estar em risco.
E, certamente, as gerações futuras serão mais felizes por também poderem usufruir deste maravilhoso ecossistema.
Isabel Jorge e Márcia Santos, 15/6/2015
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