Estudo alerta para a presença de mercúrio no pó doméstico e para os perigos da sua exposição

Estudo inovador realizado por alunos do Colégio Valsassina revela que a população está exposta ao metal tóxico mercúrio. A análise de amostras de cabelo relevou que todos os participantes apresentam resultados positivos. Também a análise de amostras de pó doméstico da residência dos participantes indicou que todas as amostras revelaram a presença de mercúrio. Este estudo é um importante alerta sobre a exposição diária que estamos sujeitos ao mercúrio.

Para a Organização Mundial de Saúde o Mercúrio é um dos dez elementos ou grupos de elementos químicos que apresentam problemas especiais de saúde pública[1].

O mercúrio (Hg) é um metal, líquido à temperatura e pressão ambiente, de cor branco-prateada, que apresenta baixa solubilidade em água e lípidos. É um metal tóxico que pode ser encontrado no ambiente sobre variadas formas (elementar, orgânica e não orgânica) e que pode ser acumulado ao longo da cadeia alimentar (Sousa et al., 2013). O mercúrio comporta-se como um disruptor endócrino e tem potencial obesogénico.

A emissão para a atmosfera de vapor de mercúrio pode ocorrer através de fontes naturais e antropogénicas. Inúmeras atividades humanas são responsáveis pela libertação de mercúrio para o ambiente, nomeadamente a combustão de combustíveis fósseis, assim como os incêndios florestais e também a mineração de ouro, por exemplo.

A população geral está exposta a mercúrio através da ingestão de alimentos contaminados (principalmente peixes predadores) e através da exposição a vários produtos de consumo como por exemplo cosméticos, detergentes e medicamentos, ou ainda através de exposição involuntária a produtos que contêm mercúrio na sua composição como por exemplo pilhas, equipamentos elétricos e eletrónicos, lâmpadas fluorescentes certos equipamentos médicos.

Ciclo global do Mercúrio (Fonte: UNEP, 2013)

 

Além disso, na sociedade moderna, grande parte da população passa cerca de 90% do seu tempo no interior de edifícios (p. ex. escolas, casas e locais de trabalho). Consequentemente a avaliação da qualidade do ambiente interior, particularmente do ambiente doméstico, reveste-se de particular importância (Neves, 2015).

A qualidade do ambiente doméstico é modelada por um conjunto de fatores que incluem, entre outros, a presença de contaminantes ambientais.

Vários estudos referem a presença de dezenas de químicos nocivos no pó doméstico que poderão estar associados a alguns problemas de saúde, nomeadamente ao cancro e problemas de fertilidade[1]. Deste modo, tal como realça a investigadora Ana Sousa[2], a exposição ao pó doméstico é algo que deve merecer uma atenção especial.

Ana Sousa, afirma ainda que a presença de metais tóxicos, entre os quais o mercúrio, no pó doméstico, está pouco estudado. Este contexto, e o reduzido conhecimento da população sobre este assunto levou um grupo de jovens do Colégio Valsassina a estudar o nível de exposição, na escola e em residências particulares, da população portuguesa ao mercúrio.

Como objeto de estudo foram analisadas amostras de cabelo (uma matriz validada para monitorizar as concentrações de mercúrio no ser humano) e uma amostra de pó doméstico relativa a um saco de aspirador da sua residência. Foi possível contar com a colaboração de 27 participantes (17 do sexo masculino e 10 do sexo feminino; com uma idade média de 17,59 anos).

O protocolo experimental seguiu as recomendações do projeto COPHES (Esteban, 2015): um projeto europeu que visa a harmonização da recolha e tratamento de amostras para estudos de biomonitorização humana. A quantificação de mercúrio total nas amostras foi realizada nos laboratórios da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior, e efetuada através de espectrometria de absorção atómica com decomposição térmica e amálgama de ouro.

Os resultados das amostras de cabelo revelam uma média de 938,551 ± 8,657 ng g-1 [Hg].

3,2% das amostras revela um valor superior ao limite de referência da OMS (UNEP & WHO, 2008); e 35,5% das amostras revela um valor superior ao limite de referência da US EPA (US EPA, 1997). Comparando com um estudo mais recente realizado na europa, da autoria de Kirk et al., (2016) que define como máximo de referência 580 ng g-1 os dados apresentados no estudo do Valsassina são mais elevados, correspondendo a 82% dos participantes.

Resultados da análise de amostras de cabelo. Foram tratadas 31 amostras (relativas a 27 indivíduos; em 8 casos a amostra foi dividida ao meio, tendo em conta que apresentavam um comprimento superior a 30 cm). Para garantir uma maior fiabilidade dos resultados foram realizadas 3 réplicas de cada amostra.

Em relação às amostras de pó doméstico das residências dos participantes os resultados revelam a presença de mercúrio no pó doméstico em todas as amostras (valor médio de 493,009 ± 15,856 ng g-1, com uma variação entre 77,331 ng g-1e 3248,651 ng g-1). Os dados apontam para uma semelhança com os resultados apresentados por Neves et al. (2015), num estudo realizado em seis habitações na cidade da Covilhã.

Este estudo sugere que, de uma forma geral, a população está exposta a mercúrio, sendo de destacar a exposição a partir do pó doméstico. Esta poderá ocorrer por contato dérmico, inalação e por ingestão (p. ex. pó nos alimentos, contato mão-boca). A ingestão diária de pó doméstico, deve ser estudada com atenção pois, segundo Neves et al. (2015) pode atingir nos adultos, 100 mg, e nas crianças, cerca de 200 mg.

De acordo com Neves et al. (2015) não existe uma recomendação para o nível máximo permitido de mercúrio em pó. No entanto, segundo estes autores, é possível comparar os valores obtidos no presente estudo contra o valor máximo permissível para solos (500 [Hg] ng g-1) estabelecido pela Portaria Nº 1450/2007. Uma das amostras revela valores superiores ao limite apresentado por esta Portaria.

O pó doméstico é, potencialmente, uma fonte de contaminantes que está dentro das nossas casas.

O presente projeto é inovador (não há outros estudos conhecidos que procedam à análise a amostras de pó doméstico em residências de alunos), com relevância pedagógica e científica, assim como a nível ambiental e social: não só permite realizar uma caraterização dos níveis de exposição e contaminação a mercúrio, bem como será possível recolher dados que permitam informar e sensibilizar a população para este assunto, contribuindo para a sua prevenção, em particular contribuindo para a promoção de uma melhor saúde pública.

O desenvolvimento deste estudo levanta várias questões: Como prevenir ou até evitar a exposição a mercúrio? Como Educar para a prática de escolhas saudáveis? Qual o risco de estarmos expostos a outros metais/contaminantes?

Podemos não saber responder a todas estas questões, mas, o estudo realizado é um alerta para a população sobre a exposição ao Mercúrio. Temos de ter atenção às nossas escolhas enquanto consumidores, assim como ter um cuidado especial com a remoção do pó doméstico.

Agradecimentos: Este projeto não teria sido possível sem o apoio e orientação da Dra Ana Sousa, da Unidade de Saúde e Ambiente da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior. O nosso muito obrigado, quer pela sua presença e pelas aprendizagens adquiridas

Agradecemos também ao Dr. Rafael Barros pelo apoio na quantificação de mercúrio e ao Professor Ramiro Pastorinho, responsável do laboratório, por ter permitido a realização deste trabalho.

 

 

Referências bibliográficas

Barros, R. (2016). Utilização de cães e gatos como sentinelas para a exposição a mercúrio. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Biotecnologia. Universidade da Beira Interior.

Esteban, M., B. K. Schindler, J. A. Jiménez, H. M. Koch, J. Angerer, M. Rosado, S. Gómez, L. Casteleyn, M. Kolossa-Gehring, K. Becker, L. Bloemen, G. Schoeters, E. D. Hond, O. Sepai, K. Exley, M. Horvat, L. E. Knudsen, A. Joas, R. Joas, D. Aerts, P. Biot, D. Borošová, F. Davidson, I. Dumitrascu, M. E. Fischer, M. Grander, B. Janasik, K. Jones, L. Kašparová, T. Larssen, M. Naray, F. Nielsen, P. Hohenblum, R. Pinto, C. Pirard, G. Plateel, J. S. Tratnik, J. Wittsiepe and A. Castaño (2015). “Mercury analysis in hair: Comparability and quality assessment within the transnational COPHES/DEMOCOPHES project.” Environmental Research 141: 24-30.

Mota, A.; Alves, B.; Leal, J. (2017). Avaliação dos níveis de mercúrio de uma população de jovens portugueses entre os 12 e os 18 anos. Relatório elaborado no âmbito da disciplina de Biologia e Geologia. Departamento de Biologia. Colégio Valsassina. Dezembro 2017.

Neves, S. M.; Pastorinho, M. R.; Taborda-Barata, L.; Vaz-Pato, M. A.; Monteiro, M.; Nepomuceno, M.; Lanzinha, J. C.; Sousa, A. C. (2015) Mercury levels in house dust samples from Covilhã, Portugal – Preliminary results from 6x60x6 Project Quantificação de mercúrio em amostras de pó doméstico recolhidas na cidade da Covilhã (Portugal) – Resultados preliminares do projeto 6x60x6. ICEUBI2015 – INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING 2015 – 2-4 Dec 2015 – University of Beira Interior – Covilhã, Portugal.

Kirk LE, Jørgensen JS, Nielsen, F.; Grandjean, P.;(2016); Public health benefits of hair-mercury analysis and dietary advice in lowering methylmercury exposure in pregnant women. Scandinavian Journal of Public Health

UNEP DTIE Chemicals Branch & WHO Department of Food Safety, Z. and F.D. (2008). Guidance for Identifying Populations At Risk From Mercury Exposure. Exposure, p.176.

US EPA (1997) Mercury Study Report to Congress Volume IV. An Assessment of Exposure to Mercury in the United States. EPA-452/R-97-006. Office of Air Quality Planning and Standards and Office of Research and Development, Washington, DC.

 

 

 

 

 

[1]https://rr.sapo.pt/noticia/63696/estudo-revela-que-po-domestico-contem-toxicos-ligados-ao-cancro-e-infertilidade. Consultado em 3 de abril de 2019.

[2] Investigadora do Instituto de Materiais da Universidade de Aveiro (CICECO) e colaboradora da Unidade de Saúde e Ambiente da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior.

[1] Consultado em http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs361/en/ em 30.3.2019

Diogo Gomes , Diogo Iria, Federico Cestelli