Fêmeas com características de machos revelam poluição pelo químico TBT, na região da Nazaré
O desenvolvimento industrial e o fabrico de compostos químicos sintéticos têm provocado diversos problemas nos ecossistemas. Um dos compostos sintéticos que tem causado grandes problemas e que já se encontra proibido em muitos países, incluindo Portugal, é o TBT (tributil-de-estanho), um biocida utilizado em tintas antivegetativas, usadas na prevenção da bioincrustação, ou seja, para evitar o aparecimento de organismos nas superfícies de barcos, os quais promovem a corrosão do casco. É um composto orgânico com estanho, altamente tóxico e letal para vários organismos.
A exposição ao TBT provoca uma disrupção endócrina que se traduz na masculinização das fêmeas de gastrópodes, ou seja, o aparecimento de características sexuais masculinas (vaso deferente e/ou pénis). Este fenómeno, designado por imposexo, é utilizado como biomarcador da poluição por TBT. Ana Barros, investigadora da Universidade de Aveiro, realça que desde os anos 80 do século XX que está provada a relação causa-efeito entre a exposição ao TBT e o imposexo.
Um grupo de alunos do Colégio Valsassina desenvolveu um estudo onde procuraram estudar os níveis de imposexo causados pelo TBT em moluscos da espécie Nassarius reticulatus na região da Nazaré, e dessa forma obter uma bioindicação da contaminação da água.
Para o desenvolvimento do estudo foram recolhidos cerca de 150 exemplares no Porto da Nazaré. A recolha foi realizada com uma nassa com isco. Foram posteriormente analisados em laboratório 116 indivíduos, após seleção dos adultos. De acordo com a investigadora Ana Sousa da Universidade de Aveiro, as normas internacionais para análise de imposexo definem um mínimo de 15 fêmeas como o necessário para a fiabilidade do estudo.
Captura de organismos, com recurso a uma nassa, para análise dos casos de imposexo.
A análise do imposexo foi realizada à lupa. Primeiro determinou-se o sexo e de seguida procedeu-se à medição do tamanho do pénis em machos e em fêmeas e, nestas últimas, à avaliação da Sequência do Vaso Deferente.
A identificação do sexo é baseada na presença de uma vesícula seminal branca nos machos e de uma glândula da cápsula branca e um oviduto alaranjado nas fêmeas. Fonte: Barros et al., 2014.
Os dados obtidos revelam que em 50 fêmeas analisadas 46 apresentam imposexo, o que sugere que, na região da Nazaré, o TBT está presente em altas concentrações.
Quando as fêmeas revelam imposexo, o vaso deferente bloqueia a vulva tornando-as estéreis o que destina a população ao risco de desaparecimento, pondo em risco toda a cadeia trófica, desequilibrando o ecossistema.
Nº machos | H machos (mm) | MPLI (mm) | Nº fêmeas | H fêmeas (mm) | FPLI (mm) | VDSI
(média) |
I (%) |
56 | 20,93 | 11,5 | 55 | 21,97 | 6,5 | 1,97 | 92 |
Resultados obtidos no estudo. Determinação do sexo; altura (H); comprimento médio dos pénis dos machos (MPLI); comprimento médio dos pénis das fêmeas (FPLI); estádio de desenvolvimento de imposexo nas fêmeas (VDSI); taxa de incidência de imposexo (I).
Os resultados deste estudo são semelhantes aos apresentados na investigação realizada por Barros et al. (2014), onde se demonstrou a presença de imposexo em Aveiro e em Viana do Castelo.
Ana Barros, investigadora da Universidade de Aveiro, realça que “o imposexo é um fenómeno irreversível”, como tal os resultados obtidos expressam a resposta dos animais a uma acumulação contínua de TBT ao longo da sua vida.
Até ser proibido em 1993
em Portugal, o TBT era muito utilizado em tinta para barcos. Certos estudos (Sousa, 2004; Wergikoski, 2010; Barros et al., 2014; Laranjeiro, s.d.) revelam que muitas zonas da costa portuguesa ainda apresentam casos de imposexo, sendo que redução da presença de TBT nas águas
está a ser mais lenta do que esperado. Para Ana Barros afirma o TBT não se degrada rapidamente, além de se poder acumular nos sedimentos no fundo do mar. Corroborando, numa investigação realizada pela Agência Portuguesa do Ambiente em 2010 na costa portuguesa, é referido que o TBT está presente em vários organismos, verificando-se uma relação entre a presença deste composto e o índice de imposexo observado nestes organismos.
Para além da legislação a nível nacional há também um enquadramento legal a nível europeu (União Europeia) e internacional sobre o uso de tintas antivegetativas contendo TBT. Os compostos de TBT estão presentes na “Lista de produtos químicos de ação prioritária” da Convenção de Oslo e Paris e também estão listados como substância prioritária na Diretiva-Quadro Água.
Além da monitorização química do TBT, a avaliação de imposexo é também um elemento obrigatório do Co-ordinated Environmental Monitoring Programme da OSPAR[1]. Para Nassarius reticulatus esta organização fixa a média do VDSI num máximo de 0,3, valor acima do qual o objetivo de qualidade ecológica não é atingido. No estudo do Valsassina o valor obtido é de 1,97 (6,6 vezes mais alto).
Esta investigação sugere a ineficácia das medidas legislativas anteriormente introduzidas, assim como a eventual utilização ilegal de tintas com este composto, algo que deve ser investigado. Foram contactados alguns pescadores e donos de embarcações que não confirmaram se usam tintas antivegetativas com TBT.
Este é um problema que para muitos é invisível, pois a maioria dos organismos não morre devido ao TBT, embora possua uma disrupção endócrina. Direta ou indiretamente este é um problema que acaba também por afetar o ser humano.
São vários os desafios levantados por este estudo: como desenvolver novas tintas antivegetativas que sejam funcionais e sustentáveis a nível económico e ecológico? Quais são as consequências para o ser humano da exposição ao TBT?
A capacidade do meio marinho de assimilar substâncias de natureza antropogénica, não é ilimitada. Mas quanto precisamos de esperar para que o TBT deixe de ser um problema?
Afonso Mota, Bernardo Alves e João Leal
10º1A. Colégio Valsassina
Agradecimentos
Professora Doutora Ana Sousa que, desde a primeira hora mostrou-se disponível para nos apoiar, fornecendo-nos conselhos extremamente úteis. Ajudou-nos a colocar a investigação no rumo certo, supervisionando todas as fases deste e mostrando-se sempre disponível até quando era geograficamente distante.
Dra. Ana Barros que não só nos acompanhou na nossa viagem para recolher Nassarius reticulatus à Nazaré, ajudando-nos em todo o processo de captura, mas também nos forneceu pessoalmente valiosos conhecimentos que nos permitiram identificar as características necessárias nos espécimes para realizar um estudo profissional e correto. A sua disponibilidade, presença e simpatia foram determinantes para o desenvolvimento do trabalho.
Administração do Porto da Nazaré, pela atenção e autorização para acesso ao Porto da Nazaré de modo a realizar o trabalho de campo. Sem este apoio não teria sido possível realizar o estudo nesta região.
Prof. João Gomes que não só nos apresentou a ideia inicial do projeto como também nos ofereceu muito apoio ao longo deste, dando-nos conselhos e acompanhando-nos em todas as viagens que realizámos, tanto a nível mental como num plano mais literal.
Referências bibliográficas
Barros, A.R.; Mendes, R.T.; Santos, G.C., Sousa, A. (2014) A história de um biomarcador de sucesso: o imposexo em gastrópodes como ferramenta de estudo no ensino experimental das ciências. Revista Captar, Ciência E Ambiente Para Todos. 77, 2, 75-87.
Laranjeiro, F; Miguez Barroso, C. M.; García Sabell, R. (s.d.). Avaliação do potencial estrogénico de sedimentos do rio Minho através do bioensaio com Potamopyrgus antipodarum. Team Minho. UE. Feder. Disponível em http://www.team-minho.eu/index.php/pt/documentacao/documentacao/category/6-entregables?download=992:entregablea1e3c-relatorio-teamminho-aveiro-imposex, consultado em 2 de maio de 2016.
Sousa, A. (2004). Estudo do impacto da poluição por tributilestanho (TBT) na Costa Portuguesa. dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências das Zonas Costeiras. Disponível em http://www.cesam.ua.pt/files/Ana%20Sousa%20MSc%20Thesis.pdf. Consultado em 3 de fevereiro de 2016.
Wergikoski, B.; Cunha, M. A.; Ferreira M.; Viana, P.; Antunes, P.; Gramacho, T.; Pinto, T. (2010). Avaliação dos Efeitos Biológicos de Compostos de Tributil Estanho em Gastrópodes Marinhos e Sedimentos. Laboratório de Referência do Ambiente/Agência Portuguesa do Ambiente. Novembro de 2010. Amadora.
Nota: com exceção das fotografias relativas à identificação do sexo, todas as restantes foram tiradas durante o desenvolvimento deste trabalho pelos seus autores.
[1] http://www.ospar.org/
You must be logged in to post a comment.