Lixo espacial aumenta a poluição luminosa

O lixo espacial, para além dos problemas causados para as operações espaciais ou riscos de queda na superfície terrestre, é apontado como culpado do aumento de 10% do nível de poluição luminosa.

O estudoThe proliferation of space objects is a rapidly increasing source of artificial night sky brightness”, com o objetivo de determinar o impacto dos satélites e destroços espaciais no nível de poluição luminosa, revela que o efeito skyglow ou brilho do céu  aumentou em cerca de 10% o nível de brilho do céu noturno, com impacto nas observações do céu noturno estrelado, e com consequências para o ser humano e a biodiversidade [1].

O estudo realizado por uma equipa de investigadores de três universidades revela que “o número de satélites e detritos espaciais que orbitam a Terra impõe inúmeras restrições às operações espaciais e à astronomia”, com consequências que podem incluir interferências de rádio e perda de informações por faixas de satélite, além do impacto significativo nos efeitos da poluição luminosa na Terra. Devido às suas grandes altitudes, os objetos em órbita ao redor da Terra podem ser visíveis após o início da noite astronómica. Por exemplo, objetos em altitudes entre 1000 e 2000 quilómetros podem ser iluminados diretamente pela luz solar. Este reflexo do Sol nos objetos em órbita faz com até sejam confundidos com estrelas, alterando a composição do céu estrelado.

Atualmente está em curso uma nova “corrida espacial”, com o lançamento de objetos para o espaço a aumentar de forma exponencial. Segundo os dados do portal “Our World in Data”, em 2021 foram lançados mais de 1800 objetos como satélites, sondas e naves tripuladas para o espaço, enquanto que no início do século, em 2000, apenas 121 foram lançados. Os Estados Unidos da América lideram o número de lançamentos, mas outros países acompanham esta tendência.

Lançamentos de objetos para o espaço por países // Fonte: Our World in Data

A ESA, Agência Espacial Europeia, estima que cerca de 900 000 objetos com tamanho superior a 1 cm estejam atualmente a orbitar a Terra, e que mais de 128 milhões, com menos de 1 cm, estejam na mesma situação. 

A consequência da existência de lixo espacial na órbita terrestre é o aumento da probabilidade de colisão entre naves e objetos, que pode levar à inutilização dos veículos, e até causar algum perigo para os habitantes da Terra, no caso dos destroços serem satélites abandonados ou corpos de foguetes, que podem atravessar a atmosfera e chegar à superfície. Além disso, um estudo com o objetivo de determinar o impacto dos satélites e destroços espaciais no nível de poluição luminosa, concluiu que o nível de poluição luminosa na Terra sofre um aumento de cerca de 10% com o lixo espacial [2].

A “competição” entre a Amazon e a SpaceX para fornecer acesso à Internet a todo o mundo a preços baixos, via satélite, tem vindo a aumentar exponencialmente o número de lançamentos previstos. A Amazon pretende lançar mais de 3.200 satélites até 2029, sendo que, metade dos mesmos, serão lançados até 2026. O “Projeto Kuiper” foi aprovado pela Comissão Federal de Comunicações em 2020, apesar das várias preocupações sobre as suas consequências. Já a SpaceX, com o projeto Starlink, almeja ter até 42 000 satélites na “megaconstelação”, sendo que, desde 2019, já lançou mais de 2000. Esta situação tem um impacto nas observações astronómicas, pois a existência de corpos luminosos no céu não permite uma experiência plena.

 

Satélites Starlink do multimilionário Elon Musk no céu de Braga, com efeito da reflexão dos raios solares Fotografia: Gustavo Santos

O relatório ESA’s Space Environment Report 2022 alerta para o número crescente de objetos espaciais, que poucos satélites são removidos da órbita baixa da Terra no fim de atividade e que o comportamento humano no espaço está a melhorar, mas ainda longe do pretendido, continuando a ser insustentável a longo prazo. Neste sentido, a ESA tem vários projetos para começar a remover algum lixo espacial, entre eles o lançamento de “naves limpadoras”, previsto para 2025, e atingir os objetos mais pequenos com um laser, o que faria com que a trajetória do detrito fosse alterada, e que este atingisse a atmosfera da Terra, incinerando-se.

A poluição luminosa pode vir de muitas fontes, da iluminação pública, outras fontes de luz artificial e pela reflexão de raios solares em objetos em órbita na terra, como explicado no artigo da “the Royal Astronomical Society” [1].  Esta poluição traz várias consequências a nível ambiental, que colocam problemas aos ecossistemas, como a morte de várias espécies, como as aves migratórias, desorientação das tartarugas marinhas e outros animais e a saída de espécies, como os pirilampos, das cidades.  O excesso de iluminação é responsável pela eventual extinção de várias espécies, ou do agravamento do seu estado de conservação, além da impossibilidade de observação do céu noturno. Também pode causar ou agravar certos problemas de saúde a humanos, tais como insónias, cancro e depressão. Esta poluição retira a todos o direito ao céu estrelado, que está presente na Declaração de La Palma sobre a Defesa do Céu Noturno e o Direito à Luz das Estrelas [3], que constitui uma perda significativa para à humanidade . Mesmo tendo várias consequências graves, este tipo de poluição é pouco conhecido pela população, sendo esta uma “poluição silenciosa”.

Bibliografia:

[1] The proliferation of space objects is a rapidly increasing source of artificial night sky brightness  https://academic.oup.com/mnrasl/article/504/1/L40/6188393

[2] Relatório de ambiente espacial de 2022 https://www.esa.int/Safety_Security/Space_Debris/ESA_s_Space_Environment_Report_2022

[3] Declaração de la Palma sobre a Defesa do Céu Noturno e o Direito à Luz das Estrelas https://starlight2007.net/index_option_com_content_view_article_id_185_starlight-declaration_catid_62_the-initiative_itemid_80_lang_en.html