Os efeitos camuflados do degelo polar

O degelo das calotes polares vai muito além do aumento do nível da água do mar. Apesar dos seus efeitos mais visíveis serem amplamente debatidos, existem consequências devastadoras e menos conhecidas. Estes fenómenos, aparentemente distantes, podem ter um impacto profundo no nosso planeta e exigem uma atenção imediata.

Como consequência do aumento do nível da água do mar, os dias podem estar, efetivamente, a ficar mais longos. A velocidade de rotação da Terra tem sido fortemente influenciada pela força atrativa que a Lua exerce sobre a mesma. Esta influência tem aumentando os dias em alguns milissegundos, ao longo de séculos. No entanto, o derretimento das calotes provoca a redistribuição da água do planeta, dos polos para mais próximo do equador, alterando a forma da Terra. Assim, a Terra fica mais achatada nos polos e mais larga na zona do equador, o que leva a uma diminuição da velocidade de rotação da mesma. Acontece um fenómeno semelhante àquele que se verifica quando se faz a experiência de rodar numa cadeira com halteres nas mãos: ao abrir os braços, a rotação será mais lenta do que se tivermos os braços junto ao corpo (conservação do momento angular). Se o aquecimento global não for controlado e o derretimento das calotes polares continuar a esta velocidade, é estimado que a duração do dia aumentará 2,62 milissegundos até ao fim do século e que a influência dos movimentos destas massas de água será maior na velocidade de rotação da terra do que a força anteriormente dominante da Lua. Embora esta diferença pareça mínima, a verdade é que poderá afetar substancialmente a tecnologia, pois muitos sistemas informáticos necessitam de relógios atómicos bastante precisos.

O descongelamento do permafrost (camada que estaria congelada durante todo o ano, constituída por gelo, terra e rochas) está a contribuir para a libertação de milhares de microrganismos, com milhares de anos, sobre os quais não há muita informação (como vacinas ou tratamentos), que podem ser prejudiciais à saúde humana. Apenas em 2003 é que se descobriu um novo tipo de vírus, os vírus gigantes. Estes apresentam um tamanho superior comparados com aqueles que já conhecíamos, podendo assemelhar-se a bactérias e ser observados através de microscópios óticos, (como os encontrados nas escolas). Foram encontrados também vestígios genéticos do vírus que causou a gripe espanhola e restos humanos que continham assinaturas genéticas do vírus que causa a varíola. Assim, os investigadores concluíram que, no permafrost,  se encontram microrganismos antecessores dos que causaram grandes surtos no último século. Em 2016, chegou a haver um surto provocado por esporos antigos da bactéria que causa antraz, libertados pelo derretimento de camadas de gelo. Este surto afetou dezenas de pessoas e de animais, evidenciando o perigo da libertação destes microrganismos. É importante realçar que os seres humanos não têm contacto com estes microrganismos há milhares de anos, pelo que não desenvolvemos defesa imunitária contra os mesmos. Com o  avançar das alterações climáticas haverá um fluxo migratório para as regiões dos polos (mais frias), locais de prevalência destes vírus, tornando-os grandes perigos para as comunidades humanas futuras.

Pithovirus sibericum

Pithovirus sibericum

Apesar de tudo, nem todos estes microrganismos são patogénicos, podendo alguns mostrar-se benéficos para os seus hospedeiros. No entanto, a comunidade científica alerta que os benefícios não compensarão as futuras consequências negativas que o contínuo derretimento do permafrost pode trazer.

Também, aprisionados nas calotes polares, estão grandes quantidades de metano e dióxido de carbono que são libertados todos os dias para a atmosfera. O que cria um efeito de bola de neve: a libertação de gases de efeito de estufa provoca o aquecimento global, que, por sua vez, irá contribuir para o degelo das calotes polares, que possibilita a libertação destes gases aprisionados que aumentarão ainda mais o aquecimento global.

Em suma, a única forma de evitar este e outros tipping points, é com medidas concretas que permitam controlar a libertação de gases com efeitos de estufa de modo a evitar o aumento da temperatura média do planeta. Só com esforços no presente, podemos proteger o futuro.

 

Referências

CNN. (2023, Março 12). Cientistas ressuscitam vírus “zombie” que passou 48.500 anos congelado – os “perigos” podem não estar enterrados para sempre. CNN Portugal. [consult. 2025-02-14 14:10:37]. Disponível em https://cnnportugal.iol.pt/permafrost/degelo/cientistas-ressuscitam-virus-zombie-que-passou-48-500-anos-congelado-os-perigos-podem-nao-estar-enterrados-para-sempre/20230312/6409b0020cf2c84d7fcb950f

Frost, R. (2024, julho 17). Os dias estão a ficar mais longos à medida que a Terra gira mais devagar e as alterações climáticas podem ser as culpadas. Euronews; Euronews.com. [consult. 2025-01-25 18:08:55]. Disponível em https://pt.euronews.com/green/2024/07/17/os-dias-estao-a-ficar-mais-longos-a-medida-que-a-terra-gira-mais-devagar-e-as-alteracoes-c

Ana Ribeiro, Inês Martins, Laura Jesus