Peixes Depressivos: Peixes revelam alterações comportamentais quando expostos a Fluoxetina

O aumento populacional e a pressão urbana sobre os ecossistemas conduzem à acumulação de substâncias químicas presentes nos medicamentos. De forma a avaliar estes efeitos um grupo de alunas do Colégio Valsassina, observou os efeitos que diferentes concentrações de Prozac (fármaco com o composto ativo de fluoxetina) têm no comportamento predatório (alimentação) de indivíduos da espécie Lepomis gibbosus (Perca-Sol), uma espécie invasora em Portugal.

O avanço das indústrias farmacêuticas tem sido acompanhado por um aumento significativo das concentrações de substâncias químicas nas águas superficiais em todo o mundo, o que resulta em repercussões negativas neste tipo de ecossistemas. A principal forma pela qual estas substâncias entram nos sistemas aquáticos é através das ETARs, provenientes da urina e das fezes excretadas, após a sua ingestão. Apesar de estas estações eliminarem grande parte destes vestígios, não os conseguem eliminar completamente.

Segundo as investigadoras do Mare/ISPA, Dra. Carla Santos e da Dra. Clara Amorim, “Os rios são dos ecossistemas mais ameaçados a nível mundial, principalmente por destruição dos seus habitats e degradação da qualidade da água. Poluentes provenientes da indústria, escorrência de solos agrícolas e ainda de esgotos domésticos, encontram-se disseminadas em todos os cursos de água. Os esgotos domésticos, por exemplo, contêm substâncias químicas utilizadas pela população mas cuja eliminação não é garantida pelas estações de tratamento de águas residuais (ETARs). Este é o caso dos antidepressivos, ansiolíticos, contracetivos, e anti-inflamatórios, que são atualmente encontrados na maioria dos cursos de água.”

Figura 1. Perca isolado em aquário com uma concentração de 30 µg/L.

Um destes compostos é a fluoxetina um inibidor seletivo de recaptação de serotonina (ISRS), prescrito para depressão, tratamento de comportamento compulsivo e transtornos de personalidade e alimentares. Os ISRSs têm como objetivo bloquear a reabsorção de serotonina (monoamina neurotransmissor) na fenda do nervo pré-sináptico, aumentando a sua concentração extracelular, e resultando, desta forma, no aumento da quantidade de serotonina disponível para se ligar ao recetor do nervo pós-sináptico.

Apesar de ainda não se saber muito sobre os efeitos das diversas substâncias encontradas nos sistemas aquáticos nos ecossistemas e nos seres vivos que neles habitam, este tipo de fármaco que atua sobre o sistema nervoso cerebral, foi indicado como um dos fármacos com maior probabilidade de afetar os seres vivos que com ele contactam. Este é não só um dos fármacos mais encontrados, como também é considerado como uma substância cuja concentração tem tendência a aumentar nos sistemas aquáticos.

“Os princípios ativos dos medicamentos foram desenhados para provocar respostas biológicas com dosagens baixas e que os mecanismos de respostas fisiológicas são muito conservados nos vertebrados, espera-se que estas substâncias possam alterar o comportamento dos organismos aquáticos. Esta alteração de comportamento pode trazer um impacto significativo nestes organismos se alterarem respostas cruciais à sua sobrevivência e reprodução. Por exemplo, se um animal não conseguir reagir adequadamente à presença de presas ou a um predador pode não conseguir alimentar-se ou mesmo morrer. “

Em colaboração com O MARE/ISPA alunas do Colégio Valsassina decidiram estudar os efeitos que a fluoxetina tem no comportamento predatório da Perca-Sol (fig. 1), de forma a descobrir mais sobre a ação dos antidepressivos nos peixes, e consequentemente as alterações podem afetam os ecossistemas.

Para o desenvolvimento deste estudo foram capturadas 121 Percas-Sol, em Alcobaça na Lagoa de Pataias, através do método de pesca elétrica (fig. 2), com o auxílio da Dra. Carla Santos e da Dra. Clara Amorim do ISPA. Depois estes foram aí mantidos num período de habituação de cinco semanas. O estudo comportamental englobou oito ensaios. Cada ensaio iniciou-se com a distribuição aleatória dos indivíduos por nove aquários, um por cada aquário, seguido da administração da substância em estudo: 3 aquários controlo (sem a substância), 3 com a concentração de 1 µg/l e 3 com 30 µg/l. Após um período de isolamento de 24 horas, a cada um destes indivíduos eram dadas 10 dáfnias, sendo quantificado o tempo de captura de uma, cinco e dez destas (fig.3).

Figura 2. Pesca elétrica na lagoa de Pataias

Fig

Figura 3. Colocação da concentração pré-definida de Prozac nos aquários, com uma micropipeta.

Observámos que existe claramente um efeito da fluoxetina sobre o comportamento predatório da Perca-Sol, havendo um aumento do tempo que esta demora a ingerir todas as 10 dáfnias.

Primeiramente, relativamente ao tempo de latência (T1), verifica-se que este aumenta com o aumento da concentração dos tratamentos, sendo em média de 1.16 segundos para os aquários controlo, 4.71 segundos para os que têm 1 µg/l de fluoxetina e 8.13 segundos para os que têm 30 µg/l de fluoxetina (fig. 4). Salienta-se que com o aumento da concentração dos tratamentos aumenta igualmente a variabilidade observada entre indivíduos, patente no aumento dos desvios-padrão para os tempos de latência. Isto indica que deve haver peixes mais suscetíveis ao fármaco do que outros, ou seja, o impacto da fluoxetina pode variar de indivíduo para indivíduo.

Figura 4. Gráfico de média e de desvios padrão: Tempo de Latência (T1)

Os resultados indicam assim que a fluoxetina, mesmo numa dose muito baixa, influencia o tempo da primeira captura (T1) e não das seguintes. Isto significa que o contacto com a fluoxetina afeta sobretudo a capacidade de deteção das presas e não a capacidade de captura após a sua visualização.

Esta investigação aponta para um efeito prejudicial no comportamento e eficiência predatória da espécie em estudo. Estas alterações manifestam-se essencialmente em estados de aparente desorientação que têm como consequência, mesmo na presença de baixas concentrações do fármaco, a diminuição da capacidade de deteção de presas. Estes resultados poderão ser preocupantes no contexto atual, dado o elevado número de ecossistemas fluviais impactados com águas contaminadas por fluoxetina, uma vez que a diminuição da eficiência alimentar poderá acarretar riscos para a sobrevivência das espécies.

Este problema parece afetar não só as espécies em estudo como todo o ecossistema. Quais as consequências a médio/longo prazo deste “envenenamento” invisível? Todos teremos que ter um papel ativo para encontrar uma solução. Até quando vamos virar as costas à natureza?!