Práticas e resíduos de tanatopraxia requerem cuidados diferenciados

A atividade de tanatopraxia, de preparação de cadáveres para as exéquias fúnebres, implica o cumprimento de regras de prevenção, no âmbito da segurança dos trabalhadores, mas também ao cumprimento de requisitos associados ao tratamento dos resíduos produzidos e que em Portugal tem regras definidas.

Tanatopraxia, do grego thánatos (morte) e práxis (prática), é uma prática que em Portugal, está regulamentada pela Portaria n.º 162-A/2015, de 1 de junho, diploma que estabelece as condições de acesso e de exercício da atividade de reconstrução, conservação e preparação de cadáveres e que determina ser a “atividade exercida, em complemento da atividade funerária, que compreende a reconstrução e conservação temporária de cadáveres, nomeadamente o seu acondicionamento em condições que permitam a sua conservação até ao momento da realização das exéquias fúnebres, e a preparação de cadáveres, que inclui as operações realizadas sobre os cadáveres tendentes à sua reconstrução, conservação e melhoria do seu aspeto exterior, nomeadamente a higienização do cadáver, a aplicação de material conservante, o embalsamento, a restauração facial e a tanatoestética, para embelezamento, através da aplicação de cosméticos” (Figura 1).

Figura 1. Bancada de tanatopraxia (Fonte: Cláudia Moita, Servilusa)

Esta atividade, para além dos riscos para a saúde dos trabalhadores, produz também resíduos que devem ser tratados de acordo com os preceitos legais previstos no Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, que aprova o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e altera o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos, assim como à legislação específica associada aos resíduos hospitalares.

Em entrevista a Cláudia Moita, responsável de qualidade, ambiente e responsabilidade social da Servilusa, empresa especializada na organização de serviços funerários e na gestão de crematórios, centros funerários e cemitérios, damos a conhecer a prática de tanatopraxia, os principais resíduos produzidos e algumas das medidas de prevenção associadas aos potenciais riscos para os trabalhadores.

Jovens Repórteres para o Ambiente (JRA): Quais são os procedimentos utilizados na técnica de tanatopraxia assegurados pelas agências funerárias?

Claúdia Moita (CM): A partir do momento em que é escolhido pela família proceder a esta técnica de preservação sobre o seu ente querido, a Servilusa desenvolve os seus procedimentos técnicos que, de forma resumida implicam sujeitar o corpo à pulverização com produto desinfetante, ao que se segue a sua lavagem. Logo de seguida inicia-se a retirada de pensos e ligaduras, de forma ter-se a perceção de feridas e eventual perda de líquidos. Após esta fase, inicia-se a técnica de tanatopraxia (existem várias técnicas, pela carótica do lado direito, pelo femoral do lado direito…).  A intervenção de tanatopraxia, deve ser registada no sistema de registo online, com os dados do falecido, do técnico responsável, data do óbito e data e hora da intervenção sobre o cadáver, por fim o local e os produtos utilizados.

JRA: Quais são os principais resíduos produzidos neste contexto? E que quantidades? Qual é o destino dado aos resíduos produzidos?

CM: Os resíduos produzidos pela Servilusa e associados à prática de tanatopraxia, devem ser sujeitos a tratamento conforme enquadramento legal relativo aos resíduos hospitalares. Para além dos resíduos equiparados a urbanos, e de algumas fileiras potencialmente recicláveis, como é o caso do cartão, plástico, algum metal e resíduos de equipamentos elétricos e eletrónico, há uma fração significativa de resíduos hospitalares do Grupo III – resíduos hospitalares de risco biológico, contaminados ou suspeitos de contaminação, suscetíveis de incineração ou de outro pré-tratamento eficaz, permitindo posterior eliminação como resíduo urbano. Não havendo dados ainda apurados relativos a 2023, a informação de 2020 a 2022 aponta para valores entre as 15 toneladas (valor em 2022) e as 19 toneladas (valor em 2021), de resíduos do Grupo III, sendo maioritariamente equipamentos de proteção individual, utilizados pelos trabalhadores, e resíduos líquidos de risco biológico (Figura 2).

Figura 2. Produção de resíduos (em quilogramas), por tipologia, entre 2020 e 2022 (Fonte: Cláudia Moita, Servilusa)

JRA: Pelo que conseguimos apurar, a Servilusa também tem um crematório associado. Nesse sentido, como é feita a gestão de resíduos proveniente deste processo, especialmente as cinzas?

CM: O grupo Servilusa, detém 30% da quota nacional de crematórios. No que diz respeito às cinzas em concreto não existem resíduos. As cinzas do falecido incinerado têm sempre um destino final, decidido pelo requerente do funeral (cendrário, jardim da memória, columbários, locais particulares, mar…).

Nos crematórios temos resíduos verdes, que normalmente são recolhidos pelos Municípios. Caso não exista resposta no município temos recolhas especiais pagas à parte a empresas municipalizadas que prestam estes serviços às empresas sediadas naquela área geográfica.

Embora não exista ainda legislação que regulamente a parte dos efluentes gasosos dos crematórios em Portugal, procedemos à monitorização através de empresas acreditadas para o efeito através do Instituto Português de Acreditação (IPAC).

JRA: Admitindo que os trabalhadores que desenvolvem esta atividade estão expostos a fatores de risco profissionais, que requisitos de higiene e segurança são considerados como prevenção?

CM: Algumas medidas de Higiene e Segurança que os trabalhadores têm de cumprir são o uso imperativo de equipamento de proteção individual, a recolha do material necessário para a preparação do cadáver e garantir a higienização das mãos antes e depois de preparar o cadáver.

Todos os mecanismos invasivos devem ser removidos e ser depositados em contentor próprio e todos os resíduos utilizados no manuseamento do cadáver, sendo considerados de risco biológico, são triados e encaminhados para tratamento como Grupo III. Caso seja necessária a conservação do cadáver, esta deve ser feita entre 0 e 5 graus centigrados, de acordo com a norma NP 15017. Após a prática de tanatopraxia, os trabalhadores devem deixar a sala devidamente arrumada e limpa, repor os materiais em falta e zelar pelas boas condições de higiene e segurança, práticas que são validadas pelo correto preenchimento da ficha de higienização do espaço, após cada utilização. Os resíduos líquidos devem ser encaminhados para ETAR, quando exista ou ser recolhidos por empresa certificada para o efeito. Salienta-se ainda o facto de que os trabalhadores que desenvolvem estas funções, também têm exames extras na medicina no trabalho.

Bárbara Nunes, David Chagas, Luís Reis, Rodrigo Escudeiro