Projeto “Plas2Nano” da FCUP dá uma nova vida aos plásticos marítimos

No dia 16 de fevereiro, na Escola Secundária da Gafanha da Nazaré (ESGN), teve lugar uma ação de divulgação do projeto “Plas2Nano” dirigida aos alunos do 9º ano. Esta iniciativa decorreu no âmbito do projeto "O Estaleiro vai à escola - Estação Científica de Ílhavo" em parceria com o Laboratório Associado para a Química Verde (LAQV-REQUIMTE), e foi dinamizada pela Dra. Ana Margarida Silva, investigadora do projeto. A Dra. Ana trabalha com uma equipa de investigadores na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), que transforma o plástico recolhido nas zonas costeiras em novos materiais, que são posteriormente transformados em sensores óticos com propriedades fluorescentes. O objetivo é detetar contaminantes e poluentes ambientais na água.

Como surgiu a ideia deste projeto?

Por ter nascido em Ílhavo, gosto muito desta região e das praias da Barra e da Costa Nova. Choca-me bastante ver o lixo acumulado nas praias, que por vezes aparece na ria e se vê muito nas suas margens. Como química, coloquei-me a questão: “Será que podemos fazer alguma coisa para ajudar a diminuir o impacto do lixo e reduzir este problema?”
Surgiu, então, a ideia de criarmos um projeto de transformar o plástico recolhido e estudar maneiras de o transformar em materiais que fossem interessantes, que tivessem um valor acrescentado, dando uma nova vida ao plástico.

Dra. Ana Maria Silva, investigadora na FCUP (Foto de Gonçalo Correia)

Quem é a equipa responsável pelo “Plas2Nano”?

Neste projeto, participa a minha colega Carla Queirós, também investigadora do LAQV-REQUIMTE e corresponsável pela investigação, o Fábio Martins, que é meu aluno de doutoramento, a Susana Guimarães, estudante de Química na mesma universidade, o Gabriel Fonseca, aluno do 12ºano do colégio dos Carvalhos, que está a trabalhar comigo no âmbito de um protocolo no qual os alunos fazem a disciplina de Química do 12ºano através da realização de um projeto desenvolvido na faculdade, e a minha filha Ana Silva, estudante do 8ºano da Escola Secundária José Estêvão, em Aveiro, que é uma entusiasta por esta área.
O projeto conta ainda com a parceria da Câmara Municipal de Ílhavo, através do Engenheiro do Ambiente, Luís Rabaça, e dos Agrupamentos de Escolas do Município para a recolha de plástico nas praias e zonas costeiras, atividade já implementada com os alunos.

Em que consiste o projeto?
O “Plas2Nano” centra-se no aproveitamento de garrafas de plástico, vulgarmente conhecido pela sigla PET, recolhidas nas zonas costeiras que, por estarem muito degradadas, por norma vão para os aterros e não são recicladas. Desta forma, estamos a contribuir para a redução dos plásticos nos ecossistemas marinhos, através da sua transformação em sensores óticos, capazes de detetar poluentes nas águas contaminadas. Com isto, pretendemos dar uma nova vida às garrafas recolhidas na Ria de Aveiro, criando um kit de sensores, obtidos por transformação destas numa substância mais simples, o ácido tereftálico, que, por sua vez, é utilizado na preparação dos sensores. Estes sensores, quando em contacto com água contaminada, permitem detetar, por mudança de cor e/ou fluorescência, a presença de contaminantes ambientais, nomeadamente de mercúrio (Hg), ferro (Fe) e cobre (Cu), além de aminas e variações de pH.

Quais são os processos químicos que o plástico sofre, até se obterem os sensores?

Começamos por lavar, cortar e moer as garrafas de plástico transparente. Depois de moído, o plástico passa pelo processo de hidrólise (usando a água como solvente), transformação química na qual é possível obter moléculas de ácido tereftálico (C8H6O4). Para que estas moléculas possam ser integradas nos sensores óticos e ter as características pretendidas, estes materiais são novamente modificados por aquecimento, sendo associados a estruturas tridimensionais de monómeros, denominadas de redes metalo-orgânicas (MOF). Daqui resulta um material de valor superior e de grande interesse, pois é mais poroso e, por isso, pode juntar-se a um pigmento fluorescente, resultando, assim, num efeito de fluorescência necessário para detetar contaminantes e poluentes ambientais.

Sendo os sensores feitos de plástico, não há risco de contaminarem a água?

Há sempre um risco, mas, uma vez que estamos a aproveitar plásticos que iriam para os aterros, este impacto é mínimo, visto que as quantidades utilizadas para se construírem os sensores são muito pequenas, na ordem dos miligramas, ou mesmo abaixo disso.
Por outro lado, queremos sempre usar métodos que respeitem a química verde para a transformação do plástico, selecionando matérias-primas de fontes renováveis. Neste sentido, a nossa equipa pretende ainda aproveitar o sal presente nesses resíduos que vai funcionar como um catalisador natural e potenciar a síntese, tornando o processo mais eficiente.

Hoje, investigamos e descobrimos que a água que analisamos estava contaminada com mercúrio (Hg), o que é preocupante. Onde foi recolhida a água?

Na verdade, a água que analisamos hoje foi preparada em laboratório, mas poderia muito bem ter sido recolhida aqui, em Aveiro, por exemplo junto a uma fábrica. Apesar de hoje em dia se encontrar mercúrio na água em pequeníssimas quantidades, a sua presença é sempre preocupante devido à sua elevada toxicidade, com efeitos adversos no sistema nervoso central.

Além de detetar contaminantes e poluentes nas águas, os sensores poderão ser usados noutros contextos?

Sim, podem também vir a ser utilizados para encontrar substâncias nocivas nos alimentos. Por exemplo, o sensor das aminas pode ser aplicado na deteção destas substâncias em carnes e peixes. Quando as aminas se formam, o alimento já tem algum tempo, havendo libertação de substâncias com odores, os verdadeiros contaminantes detetados pelo respetivo sensor.