Refood, fazer do desperdício refeição

Eliminar o desperdício de alimentos e a fome, envolvendo toda a comunidade numa causa comum é a missão da Refood, projeto humanitário que aspira a um mundo novo onde todos têm a comida de que necessitam e em que se reduz significativamente a quantidade de resíduos produzidos nas cidades.

A Refood é uma organização independente, sem fins lucrativos, conduzida por cidadãos voluntários, que recolhem a comida que sobra nos restaurantes, supermercados, padarias, cafés, pastelarias, hotéis, etc. e distribuem por aqueles que necessitam. Desta forma, pretende reduzir o desperdício alimentar, atenuando a fome e diminuindo a quantidade de resíduos que, de outra forma, acabariam nos aterros sanitários, agravando o problema da gestão dos resíduos nas cidades.

Num mundo onde se registam enormes contrastes económicos, bem patentes no último relatório da OXFAM, no qual se lê que 1% da população mundial terá mais dinheiro do que os outros 99% juntos e onde, de acordo com a FAO, 795 milhões de pessoas passam fome e, paradoxalmente, um terço dos alimentos produzidos acabam no lixo, é de extrema importância a sensibilização da comunidade e a criação de movimentos como é o caso do projeto Refood. O projeto de estudo e reflexão sobre desperdício alimentar levado a cabo pelo Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa apurou que, em Portugal, há um desperdício de um milhão de toneladas de alimentos por ano.

O projeto Refood foi lançado em Lisboa, a 9 de março de 2011, por Hunter Halder, que começou a recolher a comida e a entregá-la a quem precisava, montado numa bicicleta. No primeiro ano, o movimento, ainda embrionário, recebeu o “Prémio de Voluntariado Jovem Montepio”.

Este movimento já é reconhecido além-fronteiras. Na Índia, por exemplo, país que tanto sofre com o flagelo da fome, surgiu um movimento, o “Robin Hood Army”, inspirado no Refood, segundo o The Guardian, em junho de 2015.

Após 5 anos, existem em Portugal 25 núcleos Refood, onde mais de 4.000 voluntários resgatam 46.000 refeições por mês, a partir de 900 parceiros de fontes de alimentos e servem 2.500 beneficiários, tendo a organização crescido de forma exponencial.

Para melhor percebermos o funcionamento da Refood, visitámos o seu Núcleo da Foz do Douro e entrevistámos uma voluntária, Laurinda Côrte-Real.

 

Como começou o Refood no Porto?

O primeiro centro a abrir no Porto foi o da Foz do Douro. Quem o fundou foi Francisca Mota que, enquanto estava a estudar em Lisboa, se ofereceu como voluntária num centro e depois decidiu trazer a ideia para o Porto. Este núcleo abriu em 30 de novembro de 2014 e funciona todos os dias da semana.

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O núcleo Refood Foz do Douro entrou em funcionamento a 30 de novembro de 2014, nas instalações de um antigo Jardim de Infância.

 

Como se processou a abertura deste núcleo?

Tivemos que contactar a Junta de Freguesia, para perguntar se nos arranjavam espaço. Levou algum tempo. Acabamos por ser nós a dar a ideia do espaço. Eles aceitaram e pediram autorização à Câmara Municipal do Porto. Este assunto teve de ir a uma reunião da Câmara e demorou algum tempo, quase sete meses. Depois, tivemos que divulgar este projeto (andámos na rua a distribuir flyers) e arranjar voluntários (tivemos uma reunião e as pessoas inscreveram-se como voluntárias, a quem fizemos entrevistas). Também nos dividimos, fizemos um mapa da freguesia e percorremos as ruas todas, a tomar nota de todas as empresas, todos os restaurantes, frutarias, confeitarias, padarias, supermercados, casas de chá, que são as fontes de alimentos.

Como estão organizados os voluntários?

Há um grupo de gestores, somos 21, que estão divididos por 5 pastas: a pasta dos voluntários, a pasta dos beneficiários, a pasta das operações, a pasta dos fundos comunitários e a pasta da liderança, que acaba por coordenar tudo.

Qual é a tarefa dos voluntários das rotas?

Os voluntários chegam, vão lavar as mãos, põem o seu colete, vão buscar caixas para porem nuns sacos próprios, porque são os sacos para manter a temperatura da comida e vão para a rua. Têm uma escala dos sítios onde vão e a que horas vão. Vão a restaurantes, supermercados, frutarias, confeitarias, buscar as sobras que, quando chegarem aqui, vão ser pesadas, vai ser escrito de onde vem, quando vem e vão ser armazenadas nos nossos frigoríficos.

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Os voluntários das rotas transportam em sacos térmicos os alimentos recolhidos nas fontes.

 

Qual é a tarefa dos voluntários que ficam no Centro?

Os voluntários chegam e vão tirar tudo o que foi recolhido, no dia anterior, dos frigoríficos, para verem a comida que têm, para distribuírem pelas nossas 35 famílias. Está ali um quadro com as famílias, também têm a hora a que as famílias vêm recolher. Vão ver se há alguma indicação: se for diabético, vamos tentar dar comida que não tem tanto açúcar; se tem crianças, se tivermos poucos iogurtes e pouco leite, vamos levar esses iogurtes e esse leite para as famílias que têm crianças.

Como é que as famílias são selecionadas?

A pasta, que são 4 pessoas, vão junto das igrejas, paródias, Vicentinos, assistentes sociais dos vários centros e perguntam se têm famílias sinalizadas como necessitadas de comida. Foram-nos indicadas várias famílias, foram entrevistadas essas famílias, foram visitadas as suas casas, para ver se era mesmo necessária a nossa ajuda.

Qual é quantidade de alimentos que distribuem?

No nosso primeiro mês de existência distribuímos mais de 1 tonelada. E depois foi sempre a crescer. É muita comida que vai para o lixo e nós só estamos aqui. Portanto, imaginem na cidade do Porto toda, quanta comida não vai para o lixo. Quanta comida não poderia dar para muita gente.

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A Refood evita que muitas toneladas de alimentos se estraguem e vão para aterros sanitários, permitindo a diminuição da quantidade de resíduos produzidos.

 

Desta forma, a Refood proporciona um trabalho exemplar de sustentabilidade económica, ambiental e de inclusão social: porque os alimentos, o trabalho e as instalações são cedidas gratuitamente e as despesas operacionais inevitáveis são muito baixas; porque cada refeição resgatada reduz o impacte negativo da biomassa que se degrada em aterros e a maior parte do trabalho de recolha é realizado por equipas a pé, de bicicleta ou com veículos elétricos doados; porque tem a capacidade de despertar o civismo nos seus participantes e de incluir toda a comunidade.