Há cerca de trinta anos que a lagoa do Parque Nacional da Peneda-Gerês tem sido palco de um estranho fenómeno: o desaparecimento em massa de anfíbios. Segundo Armando Loureiro, biólogo do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), somente “em 1998-99 é que, após uma série de missões de campo realizadas no Gerês, especificamente numa lagoa das minas dos Carris que existe no alto da serra do Gerês, se constatou a existência de um problema nos anfíbios da Peneda-Gerês”. O biólogo revelou ainda que estes primeiros estudos de campo deram “conta que havia alguns tritões, mais especificamente o tritão marmoreado (Triturus Marmoratus), que apresentavam lesões cutâneas”, indicando, assim, a possibilidade de “um problema sanitário”. Esta situação deu início a um estudo sobre a causa da mortalidade e de lesões de certas comunidades animais.
O estudo da biodiversidade da lagoa, revela o biólogo do INCF, implicou a “motorização com contagem anual” até que “se constatou a redução progressiva [de anfíbios], desencadeando a necessidade de investigar as causas”. Numa fase inicial, não existia consenso quanto às causas destes surtos de mortalidade de anfíbios que estavam a afetar gravemente o equilíbrio do ecossistema da lagoa, até que, “a meio desta história, encontramos espécies de peixes que não eram esperados ser encontrados ali, peixes exóticos americanos que alguém introduziu”, revela o biólogo. Apoiados nessas monitorizações sistemáticas, o grupo de biólogos observou o aparecimento e crescimento da população de peixes perca-sol (Lepomis gibbosus), e, com este dado crucial, os biólogos encontraram um novo rumo para pesquisar, descobrindo que esta espécie, além de ser invasora, era portadora do ranavírus, vírus, que, por sua vez, tinha um efeito devastador nos anfíbios.
Com estes novos dados, os investigadores encontraram um possível culpado para este problema, no entanto, recorrendo a amostras conservadas no museu de história natural, confirmaram que o ranavírus já estava presente no meio da Lagoa dos Carris, antes de 1990, aparentemente antes da chegada do peixe que também é portador do vírus. Ademais, descobriram também que a estirpe do vírus presente nos perca-sol diferia daquele que afetava os anfíbios do lago, chegando à conclusão de que afinal “o perca-sol não era portador da estirpe do ranavirus procurado”.
Neste sentido, a investigação voltou ao ponto de partida, não descartando o perca-sol da equação. A investigação continuou, até que, segundo o biólogo do ICNF, se chegou à conclusão de que “foram um conjunto de fatores, que criaram esta situação, por um lado, um vírus [já presente], e, por outro, o problema da introdução de uma espécie exótica invasora”. Só recentemente, em dezembro 2022, um estudo intitulado Invasive fish disrupt host-pathogen dynamics leading to amphibian declines, publicado na revista Biological Conservation, clarificou esta questão, respondendo, assim, à questão inicialmente colocada pelo grupo de biólogos, “a pressão adicional de predação teria aumentado os níveis de stress e conduzido a uma disrupção do sistema imunitário dos tritões, provocando, consequentemente, um desequilíbrio na sua relação com o ranavírus e o aumento da suscetibilidade à doença”.
O biólogo encara a missão de tentar eliminar este peixe e recuperar a biodiversidade perdida como um objetivo difícil, explicando que “qualquer medida que temos de tomar ali não é fácil, porque estamos a falar de um espaço natural com um elevado estatuto de conservação e […] do espaço mais remoto de Portugal”. No entanto, o grupo de investigadores está a analisar a alternativa de esvaziar esta albufeira e “capturar e eliminar as perca-sol” ou, então, esvaziar a albufeira até que os “anfíbios das redondezas se dispersem e ocupem aquele espaço para voltar a restabelecer algum equilíbrio”.
Atualmente, segundo o biólogo, na lagoa dos carris, “praticamente não há anfíbios e, neste caso, a espécie perca-sol, uma espécie americana que nem interesse de pesca tem, é uma das grandes responsáveis por esta catástrofe ambiental”, uma vez que, mesmo não sendo a portadora da estirpe “correta” do vírus, potenciou a criação das condições para a sua propagação entre as populações de anfíbios.
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