Alterações climáticas alteram as tradições vinícolas

O mês de setembro é tipicamente marcado pelo início das vindimas, no entanto, nos últimos anos, as alterações climáticas e as consequentes condições extremas, causaram a antecipação da colheita das uvas de Norte a Sul de Portugal. Assim, a situação climática atual impõe, à arte das vindimas, que remonta a civilizações antigas como a romana ou egípcia, um conjunto de novas adaptações vinhateiras.

No alvoroço da época da colheita das uvas, nas vinhas do Douro, com o objetivo de fugir ao calor e poupar energia, de forma atípica, os vindimadores começam o dia cedo, de madrugada, iluminados com lanternas, dando vida às extensas plantações de videiras cobertas pelo escuro da noite. “Temos uma técnica, que está a começar a ser utilizada para poupar mais energia, que é vindimar de madrugada, ou seja, vindimar com temperaturas mais baixas porque permite que as uvas cheguem também a temperaturas mais baixas à adega e haja menos consumo de energia” informa José Ramos, enólogo e produtor de vinho, preocupado com a sustentabilidade da prática agrícola.

Mesmo com altas temperaturas, os trabalhadores continuam a vindimar, mantendo a produtividade.

Mesmo com altas temperaturas, os trabalhadores continuam a vindimar, mantendo a produtividade.

De forma atípica, em relação a anos anteriores, os vindimadores no Douro, começaram a campanha  mais cedo do que o habitual, “já tínhamos constatado que a evolução das uvas estava, em comparação com os anos anteriores, adiantada cerca de uma a duas semanas”, afirma José Ramos. Esta antecipação é fruto das alterações climáticas, que depois de um inverno húmido e de tempo quente na primavera, levaram a que a videira começasse o ciclo vegetativo mais rapidamente, fazendo também com que os bagos maturassem de forma célere.

Esta vindima precoce não tem sido nociva à produtividade da uva, no entanto, para isto acontecer, muitas adaptações foram necessárias de forma a que o fruto acompanhe a mudança do solo e do clima. “Relativamente às temperaturas muito altas, é como quando se vai à praia, tem que se colocar protetor solar, e nós, produtores, mediante os valores de temperatura mínima e máxima temos de fazer tratamentos de acordo com essas temperaturas, por exemplo, no caso de haver uma temperatura muito alta, será aplicado o protetor solar com uma base de cálcio nas videiras” explica o enólogo. 

Paralelamente aos picos de calor, as alterações climáticas levaram também ao aumento da precipitação no inverno e à intensificação das secas no verão. Com isto, os produtores são levados a pensar em estratégias de adaptação, “É necessário criar reservas [de água] no inverno, chamadas charcas , para depois se utilizar nas plantações durante o verão, porque no inverno chove muito e desperdiça-se muita água, que vai para os rios”, comenta José Ramos, acerca  de uma das novas práticas postas em vigor para “contornar os problemas  do aumento da temperatura e das alterações climáticas”. O enólogo acredita que a médio prazo “encontrar-se-ão sempre alternativas” e “a investigação vinícola, vai trazendo formas de mitigar as consequências destes fenómenos extremos”. 

Esta escassez de água, que se faz sentir na vinicultura, e em vários outros setores agrícolas, vêm cada vez mais a estrangular os produtores, no entanto, o produtor de vinho José Ramos preocupa-se também com quem vive em zonas urbanas sujeitas ao fenómeno de ilhas de calor, “É urgente, a longo prazo, programar a escassez de água,  também  a nível das cidade, deveria haver bastantes espaços verdes e ter zonas para poder captar mais água.”.

Este ano, com a antecipação da vindima, espera-se uma melhor qualidade no vinho.

Luis Martins