Virgílio Silva: “Na natureza não há régua nem esquadro”

A reflorestação continua a ser o principal objetivo da Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal. Segundo Virgílio Silva, Vice-Presidente da associação, faia-das-ilhas, cedro-da-madeira e loureiro foram algumas das espécies plantadas em março, no Campo de Educação Ambiental do Cabeço da Lenha. A atividade envolveu cerca de 30 voluntários.

Como nasceu a associação e há quanto tempo se dedica à biodiversidade?

Virgílio Silva. Vice-presidente da Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal.

A associação nasceu em 1996 e inicialmente apenas desenvolveu atividades de educação ambiental e tomou posições públicas em áreas sensíveis do ambiente na ilha da Madeira. Em 2001 começou a trabalhar no terreno numa área de plantação do Parque Ecológico do Funchal, no Pico do Areeiro. Dedica-se também a divulgar e a estudar os problemas do ambiente na Madeira e ao mesmo tempo pretende consciencializar a população através da informação e exposições periódicas nas redes sociais.

Atualmente operamos em duas áreas de plantação, onde estamos a fazer uma reintrodução de espécies exclusivamente endémicas ou indígenas da ilha, com o objetivo de restaurar o coberto vegetal original destas zonas e também demonstrar a necessidade de trabalhar nas montanhas.

 

Quais são os dois campos de plantação a que se refere?

O primeiro local em que começámos a trabalhar, localiza-se no interior do próprio Parque Ecológico e o segundo é uma propriedade com 53 mil m2 adquirida pela associação no final de 2005. Neste último espaço, o Campo de Educação Ambiental do Cabeço da Lenha, havia uma grande presença de infestantes. Nessa fase, o trabalho passou sobretudo por remover as infestantes e introduzir outras espécies.

 

Qual a ligação que existe com o Parque Ecológico do Funchal?

Para começar, existe uma ligação afetiva. Partiu com o objetivo de trabalhar para o Parque Ecológico e fomentar a consciência do trabalho voluntário das populações no sentido de participar na recuperação dessa área. O trabalho das instituições públicas não é suficiente para colmatar as necessidades da ilha e daí alertar a consciência não só dos políticos, mas também das populações. Hoje em dia, embora estejamos presentes em duas zonas que fazem parte do Parque Ecológico, a associação acaba por ter um programa independente, com objetivos próprios relativos ao trabalho no terreno.

O Parque Ecológico é dependente das definições impostas pela Câmara Municipal do Funchal, o que tem divergido do nosso trabalho. O município presta-nos apoio logístico, essencialmente através do transporte dos voluntários e das plantas.

 

A Associação estabelece algum tipo de proximidade com a comunidade e as escolas, na realização de atividades?

A nossa comunicação chega à comunidade e escolas. Para esta atividade de março tivemos a participação de uma turma escolar em mais uma plantação no Cabeço da Lenha e é frequente ao longo do ano contarmos com estudantes. No fundo, o trabalho da associação já é muito conhecido por professores e encarregados de educação. Através da comunicação que vamos fazendo das atividades realizadas, a comunidade local tem a oportunidade de participar, sendo frequente uma presença maioritária de voluntários que vêm pela primeira vez.

 

Plantação de espécies endémicas no Cabeço da Lenha.

A Madeira já enfrentou catástrofes naturais.

Como é que a associação costuma atuar para travar os incêndios na região?

Os fogos historicamente nunca começam nas zonas altas da ilha. Têm começado nas partes mais baixas da ilha onde as populações habitam e depois, através desta cobertura de infestantes, alastram-se pela ilha e chegam a áreas mais preservadas e naturais.

Não somos bombeiros, mas sabemos que aquilo que estamos a plantar é mais resistente ao fogo do que as espécies que foram sendo introduzidas pelo homem, que são muito amigas do fogo. Ao estarmos a eliminar essas espécies e substituí-las por outras, mais adaptadas às condições fitoclimáticas locais, de certa maneira estamos a contribuir para uma redução desse risco.

 

A associação conta com alguma contribuição monetária dos voluntários?

Não recebemos dos participantes, até porque não é necessário ser sócio para integrar estas atividades gratuitas. As receitas da associação resultam essencialmente das quotas dos sócios, cuja anuidade é 20€.

Temos cerca de 400 sócios e além disso temos tido alguns contributos de entidades que reconheceram o nosso trabalho como a Gulbenkian, a Fundação Yves Rocher, entre outros.

Também vendemos publicações de edição própria, cujos lucros revertem para o trabalho da associação.

 

As gerações atuais estão cientes da importância da conservação da natureza?

Eu penso que sim. Independentemente de haver ou não medidas concretas no terreno, hoje em dia os media estão repletos de notícias. Desta forma, os jovens estão conscientes da problemática das alterações do ambiente.

Atualmente, com os meios disponibilizados pelas redes sociais, conseguimos alcançar muitas pessoas fora da própria ilha e partilhar experiências por exemplo, com grupos interessados nos Açores e Canárias que têm ambientes muito semelhantes aos nossos.

Um fator bastante relevante é que a associação conta com voluntários de todas as idades, o que demonstra esta preocupação alargada com a conservação da natureza.

A Câmara Municipal do Funchal e inclusive o Governo Regional intervêm na criação de boas práticas?

Continuo a ver escolhas que me parecem erradas, optando-se por plantações monoespécie de espécies exóticas, de que discordo mas compreendo, porque infelizmente o ciclo de vida dos políticos é muito curto e eles têm 4 anos para mostrar trabalho.

Algumas das espécies que a associação planta apenas vão mostrar dimensão daqui a 20 ou 30 anos e nenhum político sobrevive esse tempo na carreira, a mostrar cedros pequeninos.

 

O que considera que deve ser alterado para alcançar mudanças?

É preciso trabalhar, que é o que não se faz nesta terra. Contratam-se empresas para abrir um buraco, colocar uma planta e depois deixam-na lá sozinha, a crescer por ela própria…

Plantam fora de estação, em junho ou em julho e mais uma vez estas plantas morrem. Não têm os cuidados que nós temos em dar continuidade ao longo de todo o ano.

Há que trabalhar e pensar no que se vai deixar para as gerações futuras, porque uma floresta não se faz em 5 anos, sendo apenas o resultado da sua própria evolução natural assim que o homem deixar de interferir. Mesmo nada fazendo a natureza vai recuperar, mas não como se pretende porque o que vai crescer é o eucalipto e a acácia.

Filipa Murta