São Miguel: O Laboratório Vivo da Terra e o Encanto das Furnas

Perdida no meio do Atlântico, entre as placas Euroasiática, Africana e Norte-Americana, São Miguel, a maior ilha dos Açores, não é apenas um pedaço de terra rodeado pelo mar — é um verdadeiro laboratório vivo de forças geológicas em constante ebulição. Aqui, o chão ainda fala a língua do fogo. Cada lagoa azul-turquesa encaixada numa cratera, cada fumarola que sussurra vapor do subsolo, é testemunho de um passado explosivo e de um presente que nunca dorme.

Formada por uma série de erupções vulcânicas que moldaram a ilha ao longo de milhares de anos, São Miguel assenta sobre três grandes sistemas vulcânicos ativos: Sete Cidades, Fogo e Furnas. E o mais inquietante? Estes vulcões continuam ativos, com sinais vitais de uma ilha que respira pelo subsolo:
– O Coração Fervilhante das Furnas
No coração da ilha, a terra respira — e quando o faz, solta baforadas de vapor escaldante. Nas fumarolas das Furnas, jatos incessantes de calor e enxofre rasgam o solo, recordando-nos de que este paraíso verdejante repousa sobre um vulcão adormecido, mas ainda vivo.
E não esqueçamos o célebre Cozido das Furnas, cozinhado pelo calor vulcânico. Comer este cozido é mais do que saborear uma iguaria local — é partilhar um segredo com a natureza selvagem e levar à boca o sabor bruto das profundezas da Terra.
Passear entre as fumarolas é sentir a pulsação crua da Terra, testemunhando um fenómeno tão fascinante quanto intimidante. Bem-vindos à Vila das Furnas, onde podemos observar fontes termais geotérmicas e fumarolas, caracterizadas pelas suas águas ferventes, lama borbulhante e emissões de vapor. Estes fenómenos são típicos do vulcanismo secundário, resultado da interação entre águas subterrâneas e o calor gerado pelo magma em profundidade.
A zona das Furnas situa-se dentro de uma caldeira vulcânica gigante, formada pelo colapso do topo do vulcão após uma grande erupção — neste caso, a erupção do Vulcão das Furnas em 1630. Embora esta tenha sido a última erupção registada, o vulcão ainda está ativo, evidenciado pela libertação de gases e calor do subsolo.
Mas como se formam este calor e estes gases? A água da chuva infiltra-se no solo e atinge profundidades onde contacta com rochas aquecidas pelo magma. O calor transforma a água em vapor, que sobe através de fendas naturais até à superfície. Durante esse processo, o magma liberta gases como dióxido de carbono, dióxido de enxofre e ácido sulfídrico, que se misturam com o vapor, conferindo-lhe o característico cheiro a enxofre.
As Caldeiras e a Água Azeda
Na vila das Furnas, encontramos diversas caldeiras com nomes peculiares, como a Caldeira Pequena, a Caldeira de Pêro Botelho, a Caldeira do Asmodeu e a Água do Caldeirão. Algumas atingem temperaturas próximas dos 100°C. Existe ainda uma fonte de água singular chamada “Água Azeda”, cuja temperatura é de 16,6°C e pode ser consumida, embora o seu elevado teor de ferro lhe confira um sabor intenso e ácido, justificando o nome.
A área conta também com cerca de 56 buracos atualmente utilizados para a confeção do tradicional Cozido das Furnas. Os ingredientes são colocados em panelas e enterrados no solo, onde o calor vulcânico os cozinha lentamente, proporcionando um sabor único.
– Parque Terra Nostra: Um Jardim Encantado
Escondido no coração da ilha, encontra-se um dos lugares mais icónicos dos Açores: o Parque Terra Nostra. Este refúgio verdejante combina história, botânica e geotermalismo numa fusão perfeita. Criado em 1775 por Thomas Hickling, comerciante americano, começou como um pequeno jardim privado e foi expandido ao longo dos séculos.
Com uma área de 12,5 hectares, o parque alberga uma impressionante coleção de plantas exóticas, incluindo fetos arbóreos, considerados fósseis vivos por terem resistido inalterados ao longo da história.
O seu elemento mais famoso é a grande piscina termal, onde águas naturalmente aquecidas a 35–40°C apresentam uma tonalidade alaranjada devido ao alto teor de ferro. Estas águas, classificadas como minero-medicinais, são utilizadas para tratar condições ortopédicas, dermatológicas e respiratórias.
Inserido no sistema geotérmico das Furnas, este parque é um exemplo de integração sustentável dos recursos geotérmicos com a fauna e flora locais.
Uma Janela para o Coração da Terra
Toda a região das Furnas é monitorizada pelo CIVISA (Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores), que acompanha parâmetros como fluxos de gases, temperaturas do solo e atividade sísmica.
São Miguel não é apenas um destino turístico. É um lembrete constante da força da natureza e da nossa coexistência com um planeta que está sempre em transformação.