A ciência moldada pela arte

A arte e a ciência sempre estiveram intrinsecamente ligadas e a cerâmica é um exemplo fascinante dessa conexão. A cerâmica, como forma de arte, tem sido praticada há milhares de anos por muitas culturas. No entanto, também envolve uma compreensão profunda da ciência, dos materiais e da geologia.

O projeto Nu Cerâmica criado pela artista Maria de Almeida e Paiva. A análise foi realizada com base nas informações contidas no site do projeto, no Instagramentrevista on-line e visita ao atelier.

Maria de Almeida e Paiva licenciou-se emdesign em Portugal. Mais tarde viajou pela Ásia, onde foi professora. De volta a Portugal, concluiu um curso de design aplicado à cerâmica e decidiu criar o seu negócio. A Nu Cerâmica tem o apoio da Câmara Municipal de Cascais, através do programa de Bolsas de Promoção de Talento da Cascais Jovem.

“No final de contas, sou as minhas memórias, os sítios para onde já viajei, as pessoas que já conheci, os momentos por que passei. Sou uma coleção de saudades. E as minhas peças, também. São tudo o que eu sou e tudo aquilo que quero ser.”

A cerâmica artesanal é produzida manualmente e em pequena escala, geralmente em ateliers ou em casa. Os ceramistas utilizam materiais geológicos na produção das peças, tais como argila, caulino, quartzo, feldspato, dolomite, talco e gesso, extraídos dos barreiros a céu aberto.

A argila é a principal matéria-prima utilizada na produção de cerâmica, uma vez que o seu processo de cozedura origina uma massa muito resistente a nível químico. É uma rocha granular com grãos de dimensões muito reduzidas, sendo uma mistura de vários minerais. O caulino é um mineral argiloso, composto por silicatos hidratados de alumínio como a caulinite. Algumas das suas propriedades importantes para as aplicações na cerâmica são: plasticidade, resistência mecânica em verde, em seco e em cozido e cor após cozedura.

O elemento químico extraído do quartzo é o silício, sendo o elemento mais importante para a cerâmica e o segundo elemento químico mais abundante na crosta terrestre da qual constitui 27,5%. Em combinação com o alumínio forma a argila utilizada pelos oleiros.

Os feldspatos são essencialmente silicatos de alumínio em combinação com proporções de potássio, sódio e cálcio. Os feldspatos potássicos são mais utilizados na cerâmica em detrimento do sódico, uma vez que originam uma fase vítrea mais viscosa durante a cozedura, maior resistência mecânica e reduzem a contração térmica.

A origem do talco pode ter lugar a partir da transformação por ação hidrotermal ou por metamorfismo de contacto de rochas carbonatadas ou de rochas ultrabásicas. Como matéria-prima cerâmica, entra na composição de pastas no fabrico de loiça utilitária, porcelana e de revestimento. Também a dolomite, a calcite eo gesso são minerais utilizados na produção de cerâmica.

Então como se trabalha com estes materiais? Maria Paiva afirma que “Trabalhar com argila é um processo relativamente lento e repetitivo, e é nesse processo que encontro uma sensação de espaço e tranquilidade(…)”

Maria utiliza a criatividade e esboça um design das peças de cada coleção em papel “(…)para sentir as formas e volumes e ter uma ideia das proporções (…)“

Assim que se sente confiante em relação ao desenho, faz o modelo em gesso que depois é lixado para se tornar macio, quando este estiver pronto, faz o molde de gesso. O processo até à sua finalização exige muita paciência, precisão, atenção e “(…)uma generosa dose de frustração(…)”, admite.

Quando o molde está pronto mistura a argila líquida até ficar completamente uniforme. Em seguida, transfere a pasta através de uma peneira e despeja a pasta no molde, deixando a pasta secar. “Afasto com cuidado a peça das paredes do molde, da mesma forma que se desenforma um bolo(…)”

Por fim, deixa a peça secar lentamente, coberta por um plástico ou lençol de tecido. A capacidade de produzir peças únicas e exclusivas é o que a motiva a trabalhar todos os dias.

“Há poesia no processo, mas há ainda mais no final.”

Em Portugal as empresas cerâmicas estão localizadas principalmente no litoral, norte e centro, onde ocorrem as principais explorações das matérias-primas utilizadas. As argilas e as rochas carbonatadas ocorrem em depósitos sedimentares localizados na faixa litoral entre Viana do Castelo e Setúbal, enquanto o quartzo e os feldspatos ocorrem associados a formações graníticas e pegmatíticas no interior centro do país. Já o talco, está associado a formações metamórficas e ocorre no nordeste do território português.

A produção de cerâmica artesanal pode ter impactos ambientais e sociais. Os impactos ambientais podem ser o uso de recursos naturais (argila e combustíveis para queima), a extração de certas matérias-primas, a emissão de poluentes atmosféricos e o consumo de energia. Além disso, a falta de tratamento adequado de alguns resíduos pode levar à contaminação do solo e da água. Os impactos sociais referem-se fundamentalmente à preservação de tradições.

Maria afirma “É preciso ter-se consciência”, pois a produção de cerâmica deve ser realizada de forma responsável, adotando-se práticas sustentáveis, tais como o reaproveitamento de materiais e de peças partidas ou inacabadas.

A produção de cerâmica artesanal envolve uma combinação de criatividade e conhecimento científico. Os ceramistas precisam de ter uma compreensão científica dos materiais e das suas propriedades, bem como habilidades artísticas para moldar e decorar as suas peças. Deste modo, a cerâmica é um exemplo fascinante de como a arte e a ciência podem concorrer para um mesmo fim.

Mariana Elias, Beatriz Albuquerque