Almaraz – um perigo à nossa porta?

Situada a cerca de 150 km, em linha reta, da cidade de Castelo Branco, a central nuclear de Almaraz, em Espanha, poderá ser prejudicial à saúde da população portuguesa e espanhola?  Um cartaz afixado numa rua da cidade alertou a população para esta questão.
A central nuclear de Almaraz começou a operar em 1981 com previsão de funcionamento até 2010. Contudo, esse prazo foi alargado para 2020 e mais recentemente, a licença de exploração da central foi prorrogada até 2030.
Alguns incidentes com a central têm sido noticiados mas também têm sido desvalorizados pelas entidades portuguesas e espanholas que os classificam como de nível zero, pois não têm colocado em risco trabalhadores nem população.
A central de Almaraz está situada junto ao rio Tejo sendo Vila Velha de Ródão a primeira povoação portuguesa banhada por este rio, depois de o mesmo entrar em território português. Existe também alguma preocupação com os níveis de radioatividade que as águas do Tejo possam apresentar.
Para esclarecer algumas dúvidas, falámos com a professora de Físico-química, Florinda Carrega que integra o Conselho Eco-Escolas, para nos explicar em que consiste a energia nuclear, quais os seus benefícios e riscos.
Pode explicar-nos de forma simples, em que consiste a energia nuclear e como é produzida numa central?
A energia nuclear é obtida através de reações de fusão ou fissão nuclear. A energia nuclear produzida nas centrais nucleares é produzida através de reações de fissão em que se utiliza principalmente urânio como recurso.
A fissão nuclear é, basicamente, a separação dos núcleos dos átomos.
A fissão nuclear controlada é a principal forma de gerar energia nuclear. A sua produção recorre a processos onde é provocada a fissão nuclear de um elemento radioativo, de forma a que se liberte grande quantidade de energia, sob a forma de calor. Esse calor é, então, aproveitado para produzir vapor de água que, por sua vez, é usado na produção de eletricidade.
Considera que a energia nuclear é uma energia limpa?
– Não. Embora a energia nuclear não produza gases poluentes para a atmosfera, apresenta riscos de acidentes e pode ser tóxico para o meio ambiente por causa do lixo radioativo que produz.
Quais são as vantagens deste tipo de energia?
– Ao contrário dos combustíveis fósseis, como o carvão e o petróleo, em que têm que ser queimadas grandes quantidades para poderem produzir energia, os combustíveis nucleares são utilizados em pequenas quantidades e as reservas são, contrariamente às obtidas por intermédio de combustíveis fósseis, grandes. Pelo que o problema de se esgotarem não é uma preocupação, como no caso dos combustíveis fósseis.
E os principais problemas que podem existir com a produção da energia nuclear?
– As principais desvantagens são, sem dúvida, o lixo radioativo produzido e os riscos de um acidente nuclear.
É também necessária água para arrefecer os reatores nucleares, o que poderá levar a problemas ambientais nos ecossistemas aquáticos.
Para além disso, é uma fonte de energia cara, pois a construção de uma central nuclear exige um grande investimento e os reatores nucleares têm uma vida útil limitada
Na sua opinião, a energia nuclear pode ser a energia do futuro?
– Não. Sem qualquer dúvida, as energias do futuro serão as fontes de energias renováveis (eólica, solar…). São limpas, amigas do ambiente e inesgotáveis. Ou então, energias que irão utilizar tecnologia ainda em estudo como é o caso da utilização do hidrogénio como fonte de energia, ou outras ainda a desenvolver.
Já se fala da utilização da fusão nuclear (combinação de núcleos atómicos leves que pode produzir reações em cadeia e emitir grandes quantidades de energia), como uma fonte de energia limpa e abundante. A fusão nuclear, mais fácil de controlar do que a fissão nuclear, seria a solução para muitos dos problemas energéticos atuais.
Entrevistámos também o professor João David, representante da Quercus no Conselho Eco-Escolas, para nos dar a sua opinião sobre os eventuais perigos que podem advir para a população portuguesa relativamente à proximidade da central de Almaraz
Sabemos que em setembro de 2021, a Quercus participou numa Concentração Antinuclear, pelo encerramento da Central Nuclear de Almaraz. Pode dizer-nos porque se realizou esta concentração? Acha que Almaraz é mesmo um perigo à nossa porta?
– A Quercus, assim como muitas outras organizações ambientalistas, mas, essencialmente, contando com a presença de muitos cidadãos, manifestaram-se porque há o reconhecimento de que a central de Almaraz constitui um perigo real. Este perigo advém do facto da central estar a operar para além do tempo de vida útil de uma central – cerca de 30 anos.  Efetivamente, a sua construção teve início em 1972, começando 1 reator a funcionar em 1981 e o outro em 1983 (2 reatores). É a maior central da Península Ibérica. Apesar de ser considerado um dos reatores mais seguros do mundo, o seu encerramento estava previsto para 2010, mas foi adiado para 2020 (data-limite dos 40 anos). Posteriormente, e contra todas as previsões e expectativas, foram concedidos mais 10 anos, ou seja, até 2030. Uma central coloca vários perigos e, por vezes, não depende única e exclusivamente do seu funcionamento. Outros fatores poderão interferir, como no caso da central de Fukushima (Japão), em 2011, na sequência de um tsunami.
Sabemos que nalguns países europeus, são distribuídos comprimidos de iodo às populações para administrarem às crianças em caso de alguma fuga radioativa grave. Em Portugal, existe algum plano de emergência, principalmente nestas áreas próximas da fronteira como é focado de Castelo Branco, para de alguma forma a população poder proteger-se em caso de um acidente na central de Almaraz?
– No aspeto da prevenção, e de acordo com alguns especialistas, não existe um plano de emergência específico para este tipo de acidentes. Apenas refere breves notas quanto aos procedimentos a adotar. Segundo António Eloy (dirigente português do Movimento Ibérico Antinuclear), caso haja um acidente nuclear em Almaraz, é um salve-se quem puder. A contaminação aérea e da água do Tejo seria imediata. Em caso de explosão dos reatores, ao fim de um dia, os distritos de Guarda, Castelo Branco e Portalegre seriam atingidos e, ao fim de 2 dias, a generalidade do centro e sul do país. De facto, apesar dos primeiros efeitos serem sentidos nas regiões fronteiriças, a população aí residente ignora ou tem pouco conhecimento de como proceder nestas situações. As populações não estão devidamente avisadas e preparadas para esta eventualidade. Nalguns países, a distribuição de comprimidos de iodo é efetuada ou esclarece-se a população para a sua aquisição nos locais apropriados.
Considera que tal como fazemos simulacros para uma situação de sismo ou de incêndio, também devíamos estar preparados para um eventual acidente na central de Almaraz, uma vez que estamos a cerca de 150 km em linha reta?
– Infelizmente, um acidente nuclear reveste-se de tal perigosidade que não há simulacros civis tal como acontece com os sismos. Após um acidente deste género, as autoridades competentes determinam a dimensão do perigo de contaminação radioativa e, perante a gravidade do mesmo, aconselham as populações a adotar determinados procedimentos. Contudo, a medida mais eficaz implica, a maior parte das vezes, a retirada das populações locais. (Após o acidente de Chernobyl, toda a cidade de Pripyat, com cerca de 50 mil habitantes, foi evacuada. Convém não esquecer que nada pode ser levado pelos habitantes devido à radiação. Esta pode perdurar até 20.000 anos)
Segundo uma nota de imprensa, sabemos que o MIA – Movimento Ibérico Antinuclear – vem solicitando ao Governo português que intervenha e tome posição, concluindo que urge “uma maior preparação por parte de Portugal para a hipótese de um acidente, mas principalmente uma exigência do encerramento da central de Almaraz e não do prolongamento do seu funcionamento”.

A foto não é da nossa autoria

Rita Capinha , Matilde Santos