O Hipódromo da Biodiversidade vai dar lugar à vinha?

Em Calvelo, freguesia rural do concelho de Ponte de Lima ouvia-se, outrora, o som de cascos trovejantes de cavalos de corrida. Hoje pássaros, insetos e anfíbios reocuparam um local que era seu por direito e aproveitam a tranquilidade da Natureza e a biodiversidade aí existente. Mas não por muito tempo.

Este maravilhoso cenário, com cerca de 28 hectares, alberga algumas charcas e árvores autóctones e animais selvagens e será transformado numa vinha a perder de vista.

Desde pequena que me lembro de passar junto a esse pulmão vivo da freguesia onde moro e admirar-me com a diversidade de vida ali existente, fossem as garças ou os patos que o sobrevoavam, a beleza das árvores imponentes ou o brilho dos lagos nas manhãs frias de inverno. Acreditava que aquela espécie de paraíso seria eterna. Mas a possível expansão de uma vinha circundante veio ameaçar um espaço que é único em toda a freguesia.

Numa caminhada pela zona, constatamos a enorme biodiversidade de espécies que habitam no local, especialmente de: plantas, invertebrados, aves, anfíbios e sendo também visíveis pegadas de javalis. A zona é tão rica em água e humidade que é um desafio andar por lá, mas vale a pena desfrutar da vista e dos sons. Com essa melodia de sons de animais dá para perceber que são diversos.

Segundo o professor Pedro Correia, professor da Escola Básica de Freixo, birdwatcher, ex-dirigente ambientalista, essa zona apresentava vários exemplares de espécies arbóreas autóctones: sobreiros, carvalhos e salgueiros assim como diversas espécies arbustivas e uma imensidade de plantas herbáceas e fungos.

Mas, infelizmente muitas dessas espécies arbóreas e arbustivas já foram eliminadas, que fez com que o número de espécies tenha diminuído. Apesar da desflorestação já ter iniciado, os animais continuam a fazer deste local o seu habitat, o proprietário disse que não iria derrubar os pinheiros mansos, especialmente por causa das garças que lá fazem ninho. Independentemente da intenção de plantar vinhas, o proprietário defende que quer preservar a natureza.

Sérgio Bastos, responsável pelo Clube Meteofreixo, conhece bem o local e defende a sua preservação e uma eventual intervenção de quem de direito no sentido de preservar o que ali existe.  “Tanto quanto conheço da zona, esta é rica em água e os pequenos lagos permitem reter essa mesma água e criar pequenas zonas pantanosas lagunares. É importante a manutenção desse espaço natural que está a recuperar por si próprio, até pelo interesse turístico que possa vir a ter ou para que a comunidade possa dele fruir”.

Pena que não é fácil transformar aquela área, numa zona turística já que fica num sítio pouco chamativo e é necessário ter condições económicas e responsabilidade ambiental. O que faz com que haja poucas opções.

Na mesma linha de pensamento do professor, a professora de Ciências Naturais Lídia Estevez, da Escola Básica de Freixo, reconhece a particularidade e importância do local para a biodiversidade até porque este poderia ser um excelente exemplo para a divulgação de questões cada vez mais prementes e que se prendem com o desaparecimento de zonas de equilíbrio entre o Homem e a Natureza.

  “É um habitat único numa área que está, naturalmente, cada vez mais ameaçada pela pressão urbanística e importa por isso mesmo criar mecanismos que possam, de certa forma, manter o que existe para memória das gerações futuras”

De certa forma este espaço é único para todas as espécies que lá vivem, por mais que pareça comum encontrar florestas como aquela em vários lugares, cada floresta, cada bosque, cada rio etc… pode parecer o mesmo, mas, para os pequenos seres que lá vivem é único. Tal como a nossa casa é única para nós, mesmo sendo igual a tantas outras, é especial, e a deles também é. Temos de respeitar isso, mesmo que já tenhamos desrespeitado milhares de vezes, nunca é tarde demais!

Segundo o professor Pedro Correia, “é fácil de compreender que esta área não sendo, aparentemente importante, influencia positivamente a qualidade ambiental e de vida local, pois, serve de ponto de reprodução de várias espécies que de seguida se dispersam pelas zonas envolventes.”

Por exemplo, muitas espécies de insetos, fundamentais para a polinização de plantas utilizadas na alimentação humana, encontram aí um habitat adequado, o que não acontece nos terrenos agrícolas e jardins, devido à utilização de pesticidas e inseticidas.

Ainda de acordo com o professor Pedro Correia, “o mesmo acontece com as aves e anfíbios que que ajudam no controle de pragas e disseminação de sementes. As espécies aí existentes contribuem para a fixação de carbono, manutenção do solo e retenção de água, que vai alimentar os lençóis freáticos da zona que ajuda imenso nas áreas envolventes já que é uma freguesia muito dada agricultura.” Tudo isto beneficia, apesar de não ser sentido conscientemente os habitantes locais.

Podemos notar disso na época de reprodução, pois, especialmente de noite, facilmente se observam dezenas de exemplares nas estradas envolventes a caminhar para as charcas onde se reproduzem. Infelizmente várias dezenas acabam atropelados.

Deixar aquele espaço todo abandonado não é correto, mas, seria uma excelente ideia adaptar a zona a um parque de lazer para a comunidade local, preservando e melhorando as condições para muitas espécies (por exemplo as charcas). Seria possível criar zonas de piqueniques e pistas de manutenção adaptadas para várias idades e até para pessoas com deficiência, alguns campos de jogos (tradicionais e outros) na zona das antigas bancadas e parque infantil.

Tudo isto salvaguardando os valores ambientais do local. Este espaço poderia atrair inclusivamente pessoas de fora, contribuindo assim, para a divulgação da freguesia e trazer algum retorno para a economia local.